domingo, 28 de dezembro de 2008

Um ano que termina

O ano novo será na praia.
Para lá o blog não vai.
O blog fica e aguarda que eu retorne.
Feliz ano novo aos que por aqui passaram e aos que me derem
o enorme prazer de passar por aqui.
Feliz no novo, Feliz ano novo!
28/12/2008

sábado, 27 de dezembro de 2008

Enquanto você dorme

Enquanto você dorme, reboliço no 11º andar. 
Deve ser o ar que sobe da praça que há tempos você não via.  
As árvores se mexem com o vento e uma musica se mistura ao seu ressonar, saio para o ar das janelas abertas e deixo que o vento me tome, solto o corpo, os pensamentos, as sensações, flutuo? Deixo-me ir? 
Passa um avião, estou nele e vou longe heading for I don’t know where, sempre heading. 
A musica que toca arrepia a pele que foi tocada com seus dedos leves, seu abraço que faz ressoar os sons do corpo, deve ser o barulho do avião lá longe que acompanha as batidas do meu coração. 
Sim, deixo-me ir. Sem reticências. Há um certo tremor no corpo, deve ser daquela entrega de amor que deixei em um colchão no chão, no tapete macio ou no sofá da sala e não trouxe comigo. 
Uma nuvem branca passa ao lado e vejo seu rosto, como pode um rosto assim flutuar no meio das nuvens se escuto ainda que você ressona coberto apenas com um cobertor... 
É verão e faz frio sobre a praça eu, já longe, sinto falta do meu travesseiro que ficou na outra casa. Devo ser pessoa de muitas casas mas no avião moro no ar e deixo que a falta de gravidade me empurre para todos os lados, por favor não abra os olhos,não abra para que eu possa ir. Preciso ir. 
A sensação na pele não quer me abandonar e há um certo tremor no corpo todo, antes de ir sento-me e toco o piano que há anos ninguém tocava, tenho de achar o acorde correto, preciso levar comigo o tom completo dos sons do corpo que nunca me completam. Preciso achar a nota que falta no acorde dissonante e este sim, vou precisar que fique ao meu lado. Aonde posso procurar a nota que falta nesta casa de poucos esconderijos mas muitos armários? Devo ser eu aquela que um dia andou em um caminho cercado de luzes nos sonhos de minha mãe. Ando pelos corredores procurando e sei que vou encontrar quando chegar em um fim, porque lá vejo uma luz muito forte. 
Não sei o que me espera, tenho de pegar um pouco daquela luz enquanto você dorme e quando o vento me leva e a musica me impulsiona eu gosto, gosto muito de ir, estou indo, eu vou. 
Meu rosto que horas atrás olhei no espelho da casa vazia me diz de uma certa paz e da falta do algo que preciso buscar não sei aonde então digo que já volto, vou e volto, só enquanto você dorme, só enquanto você dorme, enquanto você dorme... 
27-12-2008  
Tudo a ver "
Olhou a paisagem e seus infinitos. Depois de inspirar fundo, perguntou: - A imagem está ótima. Mas, não tem legendas?"  
Mia Couto em Idades, cidades, divindades.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Sutura

Não sei o que fez com que minhas feridas aflorassem nem mesmo sei como conseguiu que eu as descobrisse, uma a uma  
A ele expus todas, sem pudor.  
Perguntada, respondi,contei detalhes.  
Então mandou que eu me calasse e, pacientemente submeteu-me à sua cura. Contou-me sua visão de cada fato apresentou o panorama que conseguia ver e procedeu aos detalhes: cuidadosamente, suturou as feridas uma a uma, com minúcias de cirurgião.  
Hoje, das feridas, não encontro nem as marcas mas, da presença dele e de seu cuidado,  
Guardarei a marca para sempre.
Tita 01/07/08

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Não Linear

Tenho uma capacidade inata de interessar-me, via de regra, por pessoas ilineares que a mim parecem incrivelmente interessantes. É essa ilinearidade que me prende. Essa possibilidade da abertura para o desconhecido. Essa curiosidade instigante de saber o que há na cabeça de lá,uma cabeça não convencional . É a abertura da possibilidade de acontecimentos inesperados, que nem sempre se mostram favoráveis mas que mostram a possibilidade de se criar o novo. O novo que pode, quem sabe, modificar todo o curso normal das coisas e trazer até mim acontecimentos impensáveis. Algumas vezes esses acontecimentos fazem com que eu entre na ilinearidade do outro, enveredando por caminhos que não são os meus. Uso uma cabeça que não é a minha e procuro seguir seus caminhos curiosa, impensada, irrefletida. O resultado é que, via de regra, perco meu caminho e para reencontrá-lo tenho que abandonar o que me fascina e voltar à minha solidão propositalmente linear, procurando não perder totalmente o senso. Nesses casos o caminho de volta é demorado porém, chego ao fim pronta a escolher novamente. Esquecendo-me, infalivelmente, de que minha capacidade de escolha é, no mínimo, ilinear. 07/12/04

VÍNCULO

Era desligada. Não se lembrava das datas, não usava relógio, não seguia as horas, vivia o dia conforme o instinto lhe levava, conforme as sensações lhe dirigiam. Porém, conseguia, com seu trabalho artístico, imprimir uma certa ordem em tudo, agir coerentemente dentre o aparente desleixo. Não se importava com os dias da semana nem com os meses, mas estranhamente, tinha uma forte ligação com os sábados. Talvez porque tivesse nascido em um... Os sábados lhe traziam boas recordações, chamavam-na para a vida, tomavam conta de sua cabeça impermanente. Os sábados tinham sentido, pensava, desde aquele em que partira dirigindo sozinha, musica alta, coração disparado, para encontrá-lo no meio da estrada. E quantos sábados passados com ele! Mesmo os que tinham sido domingos eram lembrados como sábados. Estranho como nada que demarcasse tempo, hora e lugar tinha importância. Mas com os sábados, mantinha um vínculo forte, que jamais seria quebrado. 18/12/2008

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Malabares




Saia com várias mulheres. Algumas, dizia ele, não sabiam conversar, mas por serem bonitas, pele viçosa, corpo gostoso, saia com elas e se deliciava passando a mão nas peles macias, nos seios firmes, abraçando os corpos quentes, penetrando as carnes. Era assim ele. Outras, comentava, faziam-lhe bem para a mente e o espírito, acompanhavam seu pensamento, ajudavam a desenvolver suas idéias, faziam-no rir. Uma ou outra desse tipo, descobria ele, também tinha a pele macia, seios firmes, corpo quente e lhe despertava o desejo de penetrar as carnes. Mesmo assim, não deixava de sair com as primeiras. Era assim ele. 
Às vezes se atrapalhava, ligava para uma pensando ser outra e quando ia ao encontro percebia o erro. Com o tempo, confundia todas e então escolhia ao léu. Não se importava quem fosse, desde que tivesse alguma ao seu lado. 
Havia alguns dias em que, querendo apenas conversar confundia-se e chamava uma daquelas que não conversavam, ou vice versa. O jeito era conformar-se com a que fosse, com a que viesse. Era assim ele. 
Passou a ter tantas que teve de aperfeiçoar suas táticas para fazer com que cada uma acreditasse ser a única. Caso contrário, começariam a lhe negar as carnes. 
Foi então que descobriu-se artista. Metódico, perfeccionista, malabarista, divertindo-se com seu próprio poder de sedução, de estratégia e de equilíbrio. Era assim ele. 
Até que os anos se somaram, o cansaço se instalou e cansou-se daquele tipo de vida. Não tinha mais vontade de sair, não sabia mais penetrar as carnes e já não enxergava direito. 
Procurou então as que sabiam conversar, mas já haviam todas encontrado seus pares. 
Lembrou-se da prima que dizia: cuidado, não vai sobrar nenhuma! Mas não deu o braço a torcer e conformou-se. 
Passou a viver de recordações. 
Com um sorriso nos lábios deixava o olhar perdido e só pensava no tempo em que fazia, das mulheres, seus malabares. 
Era assim ele.
16/12/2008

PRÍMULA


Chamam-se Prímulas algumas flores que nascem com a primavera... e surgem viçosas e cheias de cor nessa estação do ano.
Ontem mesmo vi uma prímula linda e florida. Linda. Parei para olhar. A beleza me penetrou, encantou meus olhos e me trouxe paz.... Mas não entendo como florescem as prímulas nesta primavera em que faz frio. Houve tempo em que as estações começavam na época certa e cada uma tinha o seu tempo e a sua vez. Agora misturam-se, trocam de posição, cedem seus lugares umas às outras, não se entendem mais. No verão sentimos frio, no inverno compramos ventiladores de teto, na primavera não achamos grama verde para sentar. Pensando bem, acontece o mesmo comigo: misturo-me, troco de posição, cedo lugar a novos pensamentos, não me entendo mais. No verão fujo do sol, no inverno procuro os raios que entram pela janela para me esquentar, na primavera esqueço-me das flores. É assim. Deve ser influência do por do sol e do nascer da lua... Talvez quando o mundo estiver primavera, eu consiga me tornar colorida, plácida e bonita, espalhando cores e levando paz a quem estiver perto de mim. Como a Prímula. Quem sabe?  
16/12/2008

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Gandaia

Eu caía sim na gandaia! Dançava feito louca, bebia sem pensar, varava a noite, me perdia e vinha a me encontrar assistindo ao amanhecer conversando filosofias, abraçando amigos que seriam inesquecíveis para sempre, não me lembro quem... Eu então, nem era, ou nem mesmo me lembro de mim. Hoje prefiro a alegria à gandaia. Prefiro os poucos amigos próximos aos inúmeros passageiros. Prefiro a bebida moderada, só pra relaxar um pouco, prá brindar, pra compartilhar e cuido de mim como quem cuida de algo raro e delicado, me gosto e me presenteio como a quem merece mimos e, como não encontrei ainda quem cuide de mim como me sinto merecedora, cuido-me eu. Porém ainda gosto (e como gosto!) de dançar, de rodopiar e de me entregar a paixões que realmente valham a pena e sejam correspondidas. Hoje, da gandaia resta-me a paixão que esta sim, merece ser bem vivida. Que se acabe, mas que me leve para a gandaia do amor, da entrega, do calor de tudo, do envolvimento completo. Que se transforme no amor para sempre apaixonado, aquele que não me canso de procurar, ou que morra em seguida, mas que tenha sido vivida intensamente nem que eu a sofra profundamente e que meu corpo e minha mente sejam tomados por uma ressaca total. Que venha a gandaia. Depois dela, de um jeito ou de outro, eu cuido de mim.
15/12/2008

domingo, 14 de dezembro de 2008

Permaneço

Por que se me turva a vista se límpida deveria colocar-se nas coisas do mundo?
Por que me tremem as mãos se não virão segurá-las?
E o que é isso que me toca leve, feito asa a roçar meu corpo?
E por que eu, por que logo eu tenho que escolher estas escolhas e ficar assim perdida como quem quer mas não se pode entregar?
Que dor é essa que surge se de nada deveria vir?
Que solidão é essa que me acompanha se de nada me adianta tê-la?
Que falta é essa que tenho do que não tenho e nem vou ter?
De que vale este aguardar insone do que nunca virá?
E por que não há pra mim o porto seguro que deveria?
E aonde está aquela paz que tenho sim o direito de encontrar?
E por que alguns e não eu, são escolhidos para viver o pleno enquanto a mim restam sempre as metades?
Escorre a lágrima inoportuna que sozinha se seca
Bate devagar o coração como se penoso fosse levar adiante
O viver pesa, este mesmo que tantas vezes me alegra.
Então transbordo e rolam as lágrimas que nem sei por que e a que
E no final quando tudo se turva, penso se quero renascer
Ou se me calo e permaneço, sem conseguir mover-me.
14/07/2008
Tudo a ver
"Perguntei: por que estamos tristes?
Respondeu: é assim mesmo."
"É assim mesmo."
Clarice Lispector em - "A descoberta do Mundo"

Improvável

Não, não terei a tua presença como gostaria,  
nem seremos cúmplices ante os fatos da vida.  
Não nos faremos companhia nos dias de sol,  
nem nos esquentaremos nas noites de inverno.  
Não brindaremos com vinho na madrugada,  
nem nos confortaremos nas horas de solidão.  
Não iremos juntos às compras,  
nem nos acompanharemos em momentos difíceis.  
Não percorreremos juntos trilhas desconhecidas,  
nem discutiremos os melhores filmes.  
Não seremos engraçados um com o outro,  
nem nos telefonaremos no meio da noite.  
Não seremos um.  
Seremos sempre díspares e incompletos, 
a correr atrás do improvável, 
a perseguir o impossível.  
Tita 24/01/2007

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Camiseta

Eu tinha uma verde musgo de que nunca me esqueci porque me sentia bonita com ela. Era gostosa, combinava com a cor da minha pele e cabelos que naquela época eram mais claros, não sei porque a vida escurece os cabelos.  


A tua era gostosa. Usei uma branca em um dia, uma listrada no outro. Você disse: pega aquela que você quiser e eu disse: quero uma bem grandona!  


Camiseta é coisa gostosa de usar, eu tenho uma gaveta cheia, algumas uso de dia, outras são para usar de noite, tenho as que uso para trabalhar, as que uso para passear, as que uso para ficar em casa. Tento não misturar mas vivo misturando tudo e quando vou sair aquela que era para sair já ficou gasta de tanto usar em casa. 


A listrada era grande como eu queria, ia quase até os joelhos.


Eu abro a gaveta e vejo tantas cores... Às vezes não sei qual escolher porque cada ocasião pede uma e a gente sempre precisa daquela que não tem. 


Você gostou de me ver com a listrada e me abraçou aquele abraço forte que me fazia pequena. 


Hoje eu precisava de uma mais larguinha, não achei, acabei colocando um vestido. Tenho de comprar uma de cor forte para a passagem do ano. Não quero branca. Quero um ano cheio de cor, quero começar colorida.  


Passei o dia com a tua. As minhas nem usei... 


Arrumando a mala para meu fim de semana solitário, não sei qual colocar. Deveria colocar uma que usei na praia no ano passado mas não tenho vontade, coloco uma nova mas tiro da mala, vou deixar para outra ocasião. Abro a gaveta e não acho a cor que quero. Coloco qualquer uma, ninguém vai ver!  


Só me lembro da tua, só me lembro da tua, queria a tua.  


10/12/2008

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Metade

Da poltrona olhava através da porta aberta, com os dois olhos. Para mim, olhava com um olho só, sempre. 
Com o outro e mais metade da cabeça, olhava para trás. 
Havia ainda o coração que dava meia batida, o corpo que não beijava todo, o silêncio que não era meu. 
Um dia, deu-me palavras inteiras, confirmando a metade de que dispunha. 
Bem tentei pegar o que me cabia. mas carregar metades é tão difícil! 
Elas se desequilibram e caem sempre no lugar que mais nos dói, o que estiver mais machucado naquele momento. 
Segurei, mas escorregava e aquele olho que olhava para trás me exasperava. Amarrei e procurei puxar com uma corda. Enroscou-se pelo caminho, não deslizava. 
Sentei ao lado, analisei, não encontrei solução. 
Então, no ouvido que me cabia, cochichei baixinho e disse vai, vai em busca da tua metade. 
Levantou-se e pulando em seu único pé, sumiu no caminho.
Depois eu soube: formara um inteiro e lá estava no lugar de onde nunca deveria ter saído.  
Tita 9/12/2008

Astronauta


Momento de não pertencer.
Flutuar entre espaços sem que nenhum apelo seja suficientemente forte para colocar-me em lugar fixo.
Esta seria uma hora ideal para sair dos limites que me seguram à terra.
Fosse eu um astronauta iria longe, olharia a terra transformada em ponto azul e então decidiria qual a verdadeira importância de traçar caminho de volta.
Dentro do longínquo ponto, o que realmente importaria? Num mundo tão pequeno que pensamentos valeriam o esforço, que decisões transformariam a vida beneficamente?
Que emoções fariam a diferença?
Fosse eu um astronauta, flutuaria no espaço sentindo apenas movimentos lentos e talvez então nem me lembrasse de decisões que sem duvida se tornariam mesquinhas e insignificantes.
Que importância teriam as pessoas que amo se eu nem as pudesse ver de tão longe, a movimentar-se dentro da bolinha azul? Que espaço preencheriam? Que falta fariam? Eu as amaria ainda?
De que valeriam todos os acontecidos, os feitos e os momentos idos?
E nós?
De que valeria nossa ínfima história, observada de tão longe desta pequena bolha azul?
04/08/2008

Intervalo - foi a palavra do dia 8/12/08

Intervalo de ópera, de concerto, de teatro. Antigamente até cinema tinha intervalo. Momento de correr para um café sempre cheio de filas, um copo rápido de pró-seco na sala São Paulo ou correr para o banheiro, gente para todo o lado. Intervalo de programa na televisão às vezes propagandas demais, hora de buscar a pipoca, a coca cola. Beijos no intervalo, casal abraçado no sofá assistindo filme, um cobertor nos dias frios. Intervalo entre filhos. Intervalo de tempo, entre um acontecimento e outro, entre um pensamento e outro, entre um trabalho e outro, para o café, para o lanche, para o jantar. Intervalo de sentimentos. Intervalo na reunião que se arrasta, intervalo de férias, intervalo de ócio nem sempre criativo. Intervalo entre amores ou entre o mesmo amor. É possível também ser o próprio intervalo, aquele que preenche um, que vem e vai como se nem tivesse sido. Eu já fui um. 8/12/2008
Tudo a ver
"Há um instane em que toda viagem se transforma em pesadelo..."
"...Porque os romances, como os sonhos, nascem de um território profundo e movediço que está além das palavras. E nesse mundo saturnal e subterrâneo, reina a fantasia" - Rosa Montero em "A louca da casa".

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Profusão

Foi-se o que abalou sem transtornar o que acrescentou sem perguntar. Deixou profusão de sinceridade, de amizade de saudade. 08/12/2008

domingo, 7 de dezembro de 2008

Átimo

Embarquei no olhar e dali transpus o limiar da banalidade. Qualquer consideração deste ponto em diante seria difícil e cheia de detalhes. Decidi não voltar atrás e caminhei com passos firmes sentindo, porém, o corpo trêmulo.
Nada é o mesmo quando se transpõe o limite. Nada é facilmente decifrável quando se vai além do facilmente reconhecível. Nada se resolve sem a dor da descoberta.
Fui em frente carregando o fardo. Em algum momento haveria o imprevisível que revelaria as respostas e desataria os emaranhados e nós. Vislumbrei o horizonte sem as amarras, caminho fácil e livre. Vislumbrei vôos sem duvidas, viagens de paz e descanso sem temores.
Então, por um átimo, me deparei com a repetição das cenas, medos tangíveis e angústias irreversíveis. Em frente, a encruzilhada. Voltar atrás ou seguir? À direita ou à esquerda? Existem decisões que não tem resposta.
Caminhei para o centro da cruz e lá fiquei, imóvel.
11/08/2008

sábado, 6 de dezembro de 2008

I BREAK!

I finally see that I'm like all the rest! I take, just like a woman I make love, just like a woman I ache, just like a woman But I break, I BREAK!!!!!!!!! just like a little girl. 06/12/2008

Debutante


E então o moço me segurava com braços fortes e eu me abandonava ao vai da musica, ele me conduzindo eu seguindo sua condução firme, e rodopiávamos, redondo, forte, sorrindo sempre, lembro a sensação ímpar de, com ele, rodopiar. 
Nunca houve igual. 
E então dançávamos de rosto colado só quem namorava podia e nos agarrávamos a cada oportunidade de ficar sozinhos, abraços escondidos, nos escuros, nos becos, no carro, beijos que duravam horas sem cansar. 
E então me lembro das cartas e bilhetes carinhosos, da musica que compôs para mim e da rosa que chegava todos os meses, a cada mês uma a mais até que aos três anos de namoro recebi três dúzias e depois não mais. 
E então vez em quando ainda o vejo, um aniversário, uma noite de autógrafos, um enterro, um senhor, cintura alta, nunca jeans, ainda as mãos bonitas e ainda o sorriso é o do menino que ficou lá atrás. 
E então não foi com ele que debutei a entrega total, a paixão louca, o casamento que já acabou, os filhos com quem vida nova a cada dia, os amores fortes e completos que vieram e se foram, a vida que vem e que vai e o meu novo estar no mundo como pessoa curiosa e sempre renovada. 
Mas foi com ele e só com ele que fui debutante. 
Como só naquele tempo se debutava. 
Tita - 5/12/2008
Tudo a ver
"Há certas sensações deliciosas cujas imprecisões não excluem a intensidade; não há ponta mais aguda do que a do infinito"
Charles Baudelaire em "Pequenos poemas em prosa"

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Origami


Acontecimentos que me abalam,  
fazem com que o ambiente em que vivo diminua. 
Não consigo esticar meu corpo e caminhar ereta. 
Acontecimentos que me abalam, deixam-me encolhida. 
Então me apercebo:
a vida tornou-me cheia de dobraduras. 
Tal qual origami que, 
antigo e mil vezes manipulado, j
á não se desdobra com a mesma beleza e, 
vez por outra, 
perde um pedaço. 

Tita  29/04/2008
Tudo a ver
"O poeta não gosta de palavras:
escreve para se ver livre delas.
A palavra
torna o poeta
pequeno e sem invenção"
Mia couto em "idades cidades divindades"

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Flores

Sou daquelas que tem troncos fortes e alguns espinhos. 
Sou dura, seca e quebradiça. 
Por onde passo, deixo rastro, faço barulho.  
Para me tombar é preciso uma tormenta que dure meses seguidos. 
Se me cutucam mordo, qual carnívora.  
Meus gestos impensados, muitas vezes machucam. . 
Quem dera fosse pequena, delicada e colorida.  
E que até uma brisa leve me tombasse delicadamente 
para todos os lados. 
Se assim fosse, teria a voz mansa, 
falaria baixo, diria sempre coisas doces.  
O sorriso seria quase imperceptível, 
os dentes delicados e brancos. 
Gestos vagarosos, quase musicais, 
corpo fino, andar dançante. 
Chegaria imperceptivelmente. 
Passos delicados e suaves, 
nenhum barulho anunciando a presença. .  
Então você se encantaria, e me colheria, 
apaixonada e ternamente.  
Me tomaria nos braços e teria muito cuidado, 
para que nada de ruim me acontecesse. 
Me regaria com carinho 
e me olharia sempre com os olhos brilhando.  
Eu me entregaria, l
ânguida, apaixonada.  
Que pena não tenho a sorte de pertencer a este grupo. 
Tita 22/12/2006 .  
Tudo a ver  
"Quanto à nossa fraqueza, a parte mais forte nossa é que tem que nos doar ânimo e complacência. E há certas dores que só a nossa própria dor, se for aprofundada, paradoxalmente chega a amenizar" 
Clarice Lispector em "A Descoberta do Mundo"
São Paulo, 03/12/2008

Carnaval

Encontraram-se sem querer, ela e o vampiro.
Achou bonita a fantasia. Sorriu, ele sorriu com os caninos enormes. Bonito, aquele vampiro. Logo enlaçaram-se e começaram a dançar. A ela, parecia que estavam voando.
Entrou em estado de euforia. Ele jogava e pegava seu corpo ao som da música. Ela, olhando fixo nos olhos dele,deixava que a levasse.
Ao fim da noite, ele insistiu para que ficasse mais tempo com ele. Na verdade seu estado era de tamanho envolvimento, que ele poderia levá-la sem nem mesmo perguntar.
Andaram abraçados por ruas estreitas, por becos pequenos. Com ele ela não tinha medo.
Chegaram a um galpão diferente que se destacava na rua escura. Colocou musica, serviu bebidas, cheio de charme.
Ainda com a fantasia e com os caninos enormes, abraçou-a com força e a beijou.
Foi como se não existisse mais chão. Voou no beijo, saiu do ar.
Pegou-a no colo, jogou-a na cama, tirou sua roupa e aproximou-se, para beijar sua nuca e seu pescoço.
Só então ela percebeu que não era carnaval.
31/01/07

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Jornalista

Eu vi um morro que não era mais morro e não consegui ver as casas que havia embaixo. Disseram que eram 3 e mais duas revendedoras de automóvel, que não estavam mais lá. Só vi a terra e os tratores que tentavam remover tudo. Não sei aonde eram os caminhos nem se havia quintal ou jardim. Não sei se o morro despencou de dia ou de noite. Só vi o lamaçal, alto, denso, escorregadio, parecendo ter vida. Parei e olhei. Vidas acabadas, trabalho destruído, tudo virou ontem. Para a frente só o recomeçar de quem continua, sem o que ficou para trás, sem quem ficou para trás. Estive lá. Chorei, de que adianta... Fiz pouco, podia fazer mais... Vi gente fazendo muito, gente mais gente do que eu. Fiquei pequena demais. Estou soterrada pelas inúmeras coisas desnecessárias que tenho em casa e pelos meus sentimentos que teimam em desmoronar perante as intempéries da vida. Voltei. Nem escrever sobre isto sei. Fosse jornalista, saberia?  
2/12/2008.São Paulo
Tudo a ver
"A vida é o que você vê nos olhos dos outros; a vida é o que as pessoas aprendem e, tendo aprendido, nunca, embora o tentem esconder, deixam de estar conscientes de - do que? De que a vida é assim, ao que parece" - Virginia Woolf em "Contos Completos"

domingo, 30 de novembro de 2008

Folha

Voou. Como se fosse um pássaro. Era uma folha fina, quase transparente. O interessante é que era colorida, de um lilás bem forte. Tentei pegar, não consegui. Corri um pouco mas logo cansei. As crianças foram atrás:Corre! Corre! Quem pegar ganha um doce. Pisaram na lama, caíram no chão, tornaram a se levantar,correram mais um pouco. Mas não conseguiram. A folha fez uma curva em U e veio novamente na minha direção. Agora eu pego! Pega! Gritaram todos. Pega! Agora! Pulei, levantei os braços! Pulei de novo, o mais alto que consegui. Encostei nela, roçou nos meus dedos, tenho certeza de que quase peguei. Não consigo! Não consigo! Corram, corram, temos de pegar. E lá foi a meninada de novo. Correndo e gritando. Pega! Pega! É minha! Pega! Nada. Um vento forte mudou o rumo de tudo. Ao longe, cansados e desapontados, vimos a folha ir embora. Um pontinho lilás cada vez mais alto, voando no céu, como um pássaro. Lembrei-me de nunca ter visto um pássaro lilás. E lembrei-me de nunca ter visto uma folha lilás. Por isto eu queria tanto aquela. Sabe-se lá aonde pousaria. Sabe-se lá que caminhos tomaria. Sabe-se lá se alguém a pegaria. De minha parte, tive de me conformar, inconformadamente, com a única afirmação possível: Não consegui pegar! 30/11/2006
Jaraguá do Sul, 30/11/2008

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Aqui Jaz


Foi enterrado ao pé de um árvore mas eu não quis ver o enterro. Acho que foi remorso, tristeza e um certo alivio que devo confessar. Não dei atenção a ele nos últimos anos de vida! Se bem que ele também não me dava muita bola desde que mudamos para a fazenda. Gostava mais de correr, caçar, sujar-se de lama. Quando voltava e queria meu colo, estava sempre sujo e desajeitado. Eu não pegava. Então ele se ia e passou a vir cada vez menos, passei a chamar cada vez menos, até que um dia a noticia: morreu. Escorreu uma lágrima. Fui até o pomar, olhei debaixo do pé de caju aonde estava, duro, com os dentes à mostra. Fiquei chocada. Descuidei de você, nos afastamos, como foi possível? O tempo passou, mudei-me, nunca mais voltei lá, os donos são outros... Mas ele está lá, mesmo que não haja mais árvore, ele está lá. Foi meu companheiro durante muitos anos. Saudade dele pequeno quando se aninhava em mim, saudade dele quando corríamos na grama, saudade dele quando tremia de medo dos cavalos no meu colo. Faltou a placa: Aqui jaz Café, que só trouxe alegria e nunca reclamou da que não lhe deram.
18/11/2008

Derrame

É um vexame quando a gente se derrama.  
Fica prostrada, derramada, aguada, sem forma, sem começo nem fim. 
Eu, para me derramar, é só começar...  
Eu me derramo. 
Quando a tristeza e a injustiça me tomam, se começo a chorar, é um dilúvio. 
Não consigo segurar nada dentro, não seguro, não aplaco, não me controlo. 
Então extravaso, explodo, me esparramo pelo chão num derrame ininterrupto, tristeza sem fim.  
Só quem ja viu sabe como é.  
Só quem já sentiu sabe o que é.  
Tita 27/11/2008

RELAMPAGO

Há dias em que não chove, o ar está calmo, o céu azul. Mas é como se o céu estivesse cheio de relâmpagos. Acontecem coisas que não podemos segurar. O mundo se contorce, luzes saindo para todos os lados. Dá vontade de entrar debaixo da mesa! Um dia entrei debaixo da mesa. Foi durante uma queimada. Já viu uma queimada? Norte do Brasil, fazenda só mato, filha bebê. Derrubada na foice, no facão, na moto-serra. Tudo para o chão. Verde caindo, barulho de árvore tombando. Depois silencio o que tinha vida resta tombado no chão para secar. Ate que chega o mês de agosto, mês da queimada. Acero para o fogo não passar para as fazendas vizinhas, todo mundo pronto, pessoal saindo para todos os lados da fazenda, tacar fogo! Bebê no colo, olho da porta da cozinha... Sobe densa e negra a fumaça do fogo. Barulho de estalos, fuligem começa a cair. Sentamos no degrau, olhos nostálgicos. Estamos queimando o mundo. E então acontece, num repente. No meio do cinza surge uma fumaça que dá voltas, cada vez mais concêntricas e mais rápidas. Um rodamoinho, um funil que caminha para todos os lados e vem vindo meu Deus, para fora da queimada, para cima de nós. Vem vindo, não é possível, como? Vai sair de lá.?Mas vem! E sai do mato e entra para o quintal e corro eu com bebê no colo para debaixo da mesa. Barulho, vento zupt, zupt, zupt, barulho redondo, como explicar esse barulho? Passa pela casa. Sobre a mesa telhas e telhas se estilhaçando. Depois silêncio. Embaixo da mesa minha bebê e eu, incrédulas. O rodamoinho passou. Destelhou metade da casa, tudo em cima da mesa.. Saímos de gatinho ela diz óia, óia, óia, e eu penso: é a natureza que se revoltou.  
Tita 27/11/2008
Para Deborah

Leve Torpor

Naqueles dias vadios tomávamos vinho no café da manhã.  
Após conversar pela noite quase inteira, dormíamos um pouco e ao acordar, tomávamos vinho. 
Um torpor me invadia e era como se eu não pertencesse à vida real.  
Desejei muitas vezes que a hora de ir embora não chegasse enquanto,em meio aos goles de vinho, escutava sua voz bonita e minha risada misturando-se no ar. Sem preocupações, sem futuro, só nos dois ali sozinhos, nos entregando ao momento. 
Muitos desses momentos ficarão gravados para sempre na minha memória de lembranças, como um brinde da vida que me presenteava com a possibilidade de sair do ar por um dia ou dois, vividos intensamente.  
Que dádiva ter vivido o leve torpor do vinho desfrutando da sua companhia alegre e agradável naqueles dias fora do mundo.  
São Paulo 15/11/2004.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

O Noviço e as Madres Superioras

Silencio na noite, todos recolhidos ao seu leito, o noviço abria com cuidado sua porta e partia para a área proibida da clausura. Pé ante pé entrava no pequeno quarto aonde a Madre Superiora, corpo desnudo, cabelos soltos e coração arfante o esperava, nua sobre a cama. Deliciavam-se lambiam-se, amavam-se, explodiam palavras de encorajamento que sempre acabavam em perdões sussurrados, Deus haveria de entender e a cena se repetia todas as noites. E era tanto carinho e amor que dali se desprendia, tantas conversas, tantas noites de riso e alegrias, tantas confidências sussurradas. Deus sabia que era necessário, bonito e sincero e então, sabiam, perdoava. Dia chegou em que a Madre Superiora do convento da cidade vizinha veio visitar. O noviço, encantou-se, não conseguiu segurar o encanto, imaginava o corpo da Madre Vizinha, viciado, pensou, viciado que estou em Madre Superiora, derramou-se em gentilezas, esteve presente em cada momento, aprovando cada frase da visitante, sorrindo ante cada observação. Da Madre da Casa,segura ao terço, percebia apenas o olhar reprovador e a prece ininterrupta: Deus, não me tire este noviço, meu bem mais profundo, minha alegria, aquilo que me faz ir em frente nesta vida que escolhi. E acreditava, ele é bom, Deus não o deixará cair nesta tentação que de tão torta lhe saltaria aos olhos. Ele jamais faria isto meu Deus, tão sinceras são suas palavras, tanto já dividimos, tanto temos a dar um ao outro. Deus não deixará. Foi com horror que viu o laço entre os dois se estreitar. Até que naquela noite de agosto, escutou os passos de seu noviço que vinha mas, para seu espanto, passava reto por sua porta, sumindo seus passos ao final do corredor. Ele fora até a Visita, ela tinha certeza. Levantou-se, paramentou-se e descalça foi até a porta do cômodo que era oferecido às Madres Superioras de passagem. Lá, ouvido colado, escutou os gemeres, os dizeres e todos os sons que haviam um dia lhe pertencido. Deus, como me dói o peito, como me dói o coração, como me dói a vida, perdida, sem o meu menino. Dia seguinte os viu, expressão beata, que bem sabia significava êxtase, o mesmo que costumava sentir em todas as manhãs, meu Deus, como viverei sem? Trancou a porta do quarto, seu noviço não receberia mais e preparou sua vingança. Escutou as batidas tímidas no inicio da madrugada naquela e nas duas noites seguintes, apertando o travesseiro nos ouvidos porta trancada em resposta. Na terceira noite, escutou que novamente para a Vizinha (que parecia viera para ficar) dirigia-se o menino e então, arquitetou seu plano. Foi em 27 de setembro, um sábado (ninguém sabe, até hoje, o porquê do que aconteceu): amanheceu o noviço a chorar, trancado em seu pequeno quarto dizendo que de lá jamais sairia. A ninguém contava o que se passara. Veio o padre perguntar, ele chorando nada disse. Vieram os outros noviços, vieram as freiras, veio até o jardineiro. Então chamaram o pároco da aldeia, senhor de grandes habilidades psicológicas que adentrou o pequeno quarto saindo apenas muitas horas depois, sem nada conseguir. Enquanto isto a Visita arrumava suas malas e, ao café da manhã anunciou sua partida. Todos estranharam porque parecia viera para não ir nunca mais. Ninguém soube o que a fizera mudar de idéia...Apenas a Madre Superiora. A ida da Visita confirmava o sucesso de seu plano. A Visita se ia e ela sentia-se vingada e satisfeita pois Deus ouvira suas preces e as poções haviam surtido efeito. O noviço seria para sempre apenas um noviço porque demonstrações de hombridade, em seu físico, não voltariam a ocorrer nunca mais. Pensando nisto, a Madre Superiora encaminhou-se para as preces do fim do dia. No corredor de acesso à capela percebeu a figura tímida do novo noviço que caminhava à sua frente. Um sorriso lhe ocupou os lábios e, segurando o terço apertou-o entre os dedos, com a certeza de que Deus, mais uma vez, escutaria suas preces. 27/10/2008

Circo


Deitada na rede, sem vontade de viver. 
A repetição da vida, os círculos viciosos, o desamor, a solidão, as tentativas frustradas, o coração abatido, a perda das esperanças... 
Imersa em minhas tristezas não vi o carro que se aproximava. 
Quando me sentei já estava lá, rodando portão adentro. 
Pessoas estranhas, expressões bizarras, começaram a descarregar objetos grandes e coloridos, sem nada dizer. 
Ei, quem são vocês, o que é isto? 
Mais carros chegaram, mais caixas descarregaram. Armaram, martelaram, montaram, sem me dirigir palavra. 
Por favor, não invadam assim a minha casa... 
Nada disseram. 
Estou cansada, quero dormir, por favor vão embora... 
Nada. 
Voltei para a rede, Cansei. Afinal, eu só queria mesmo era dormir. Deitei-me e adormeci, alheia ao que acontecia. 
Acordei com a musica alta. O circo estava armado. Trapezistas, palhaços, equilibristas, todos ali, apresentando-se no meu jardim. 
Meu coração foi até a boca quando a trapezista ficou preza por uma perna só, ri alto com a palhaçada daquele arlequim desajeitado, fiquei curiosa com a mágica diferente. 
Porque estariam todos no meu jardim? Quem os havia enviado? 
Levantei-me, guardei a rede e decidi voltar à vida. 
Em algum lugar existe alguém que quer me ver feliz. 
Em algum lugar existe alguém que gosta muito de mim.  
Tita 25/11/2008

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Ampulheta

Sentada na sala vazia olhava a chuva. Do vidro grande tinha a visão do gramado molhado e das gotas que pendiam dos arbustos de flores, mas não prestava atenção. Com uma das mãos, distraída, re-iniciava o despejar da areia na ampulheta de vidro. E olhava a areia fina descendo pelo túnel estreito, durante um minuto. Virava a ampulheta e olhava de novo e de novo e de novo... Assim, contava o tempo, minuto a minuto. Quem sabe na próxima virada...o que aconteceria? Quantos minutos seriam necessários para que alguma coisa acontecesse? Aconteceria alguma coisa se ela não fizesse nenhum movimento para isto além de girar a ampulheta com a mão? Seria real o fato de que os acontecimentos nos chegam mesmo que nada façamos? Seria real que só nos chega o que nos esforçamos para alcançar? Resolveu marcar os minutos e a cada virada da ampulheta fazia um risco preto no caderno, formando quadrados de cinco riscos, um risco a cada minuto. O dia foi correndo, o caderno cheio de quadrados de cinco riscos. Nada aconteceu, constatação a cada minuto, nada fez, esperou, constatou, girou a ampulheta... Apenas a mão girando ampulheta, a mão riscando o caderno, a mente sem nada pensar. A chuva continuando, o silencio pesando, a mão virando a ampulheta, girando a ampulheta, olhando a ampulheta...
24/11/2008

domingo, 23 de novembro de 2008

Dilúvio


Por que fica nessa chuva? O que faz com que permaneça encharcado, com a água escorrendo pelo corpo? 
Por que se abandona solitário a escutar o barulho da água? 
Por que se atormenta de passado e não adentra o caminho que leva ao sol? 
Por que se afoga sem abrigo, figura ímpar, a andar com a água até os joelhos? Por que mergulha a deixar que o oco das águas profundas se aposse dos seus ouvidos? 
Por que das lentes embaçadas me olham seus olhos, expressão incerta? 
Por que se atira à mudez e à casa vazia, deixando que a barreira de água nos separe? 
Por que? 
Tita 22/11/2008

Silêncio

Ao sol faço silêncio e escuto; os pássaros, os estalos, o barulho da água, o murmúrio de vozes. Quieta, sinto o prazer com que meu corpo recebe os raios quentes e os transporta para dentro de mim. Se calor, mergulho, falo comigo mesma baixinho, deixo-me abraçar pela água que acaricia meu corpo, a natureza que me recebe e me diz bem vinda. Tenho paz, os conflitos se vão e se, não sei nem porque, a tristeza aflora do nada, deixo que corram as lágrimas, que se misturem ao suor e ao molhado. Então sou mistura de quente e frio, sensações de luz e água. Sou grandeza de mim quando estou ao sol, sou minha vida toda no calor de meu corpo, sou meus sentimentos transbordando nos poros e sou o escutar-me em minha musica interna. Vindos do fundo da alma ouço os barulhos que nascem do âmago de meu silêncio, onde escuto de mim e do difuso multifacetado da minha vida interior. Ao sol, faço silêncio. 21/11/2008
TUDO A VER “Meu lar é o interior da minha cabeça” (Rosa Montero em " A Louca da Casa")

Sussurro


Vem, me chama alto, 
me pede, 
me leva 
e deixa que eu deslize meu corpo no teu. 
Sente a pele, 
o macio, 
deixa que eu te guie, 
enrosca o corpo, 
aperta com a tua a minha mão. 
Enquanto eu me apequeno no teu corpo grande, 
envolve-me no teu abraço, 
me beija o teu beijo quente 
e sussurra. 
Sussurra pra mim o que eu quero escutar.  
Tita 21/11/2008

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Lembrar


Tenho saudade de ti.. 
Há dias em que tenho tanta saudade de ti 
que as horas não passam 
que o ar não se mexe 
que o pensamento só corre 
se lembrar coisas de ti. 
E lembra de ti 
e então lembra de ti 
e só quer lembrar de ti. 
Porque contigo o que houve foi poesia
foi riso foi o que não podia 
o que não era 
o que não seria. 
Tenho saudade de ti. 
Há dias em que tenho tanta saudadede ti 
que as horas não passam 
que o ar não se mexe 
que o pensamento só corre 
se lembrar coisas de ti. 
E lembra de ti 
e então lembra de ti 
e só quer lembrar de ti.
19/11/2008

Quadro

Saí de lá com alguns quadros, este é seu, este é meu... 
Prefiro os de paisagem. 
Não sei o que ele fez com os dele, os meus pendurei nas paredes, mesmo assim ficaram vazias, peguei outros emprestados de uma amiga, outra amiga pintou um para mim. 
Mudaram-se comigo do primeiro para o segundo apartamento, ocuparam quase os mesmos lugares que ocupavam no apartamento anterior. 
Vez em quando fixo o olho em um e no outro. 
Imagino cenas, dentro das paisagens, entro neles e faço as minhas histórias. Quando estou cansada, como hoje, gosto de me transportar para o pé do Ipê amarelo e ali fico durante muitas horas. 
Algumas vezes retorno com um texto, uma frase, outras retorno com uma vontade enorme de ver pessoas, sair, beber, conversar. 
Outras ainda, saindo do recosto do Ipê, mergulho na grama colorida do quadro emprestado, sento-me ao lado de Simão Pedro na Santa Ceia ou entro na pequena casa no meio do mato. 
E me emolduro, me imiscuo, faço parte. 
Algum dia fico e não volto mais. 
Tita19/11/2008

Adjetivo

Faceira passou, sabendo que ele a observava.  
Sabia que olhava seu corpo, o movimento dos seus cabelos e seu jeito de caminhar. Sabia.  
Sabia também que ele nada diria pois assim havia sido, desde a primeira vez. Arrumava-se para ele, penteava-se para ele, perfumava-se para ele.  
Para que ele a olhasse. 
E passava, para que ele a acompanhasse com os olhos.  
Ele a queria. Queria que chegasse até ele. Acreditava que seu olhar dizia tudo. Ela sabia. Queria que ele lhe dissesse. Apenas uma vez, nem que fosse apenas um adjetivo. Não falasse, ela não chegaria.  
Ela passou, e passou novamente. 
 Ele olhou, desejou, e olhou novamente.  
Ele a queria, 
 Ela o queria.  
Ele não disse. 
Ela não foi.  
Tita 04/06/2007

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

CASULO

Sozinho, pensando na vida, recordando fatos. Então a constatação: passara a vida toda a empilhar sentimentos. Um após o outro, esmagando o outro, pesando sobre o outro. Desde a mais tenra infância, especializara-se em empilhá-los meticulosa e simetricamente. Andava com cuidado pelo mundo, com medo de derrubá-los. Agora, estava muito difícil carregar o fardo. A cada passo, o medo de perder tudo. Havia de se fazer algo com esta pilha. Mas ao longo dos anos não conseguira chegar à conclusão do que fazer. Talvez conseguisse trazer o mundo da sensibilidade para o mundo da realidade. Talvez trazer para sua vida uma celebração, deixando que a pilha se esparramasse pelo chão? Conseguiria assim fazer aparecer o sentimento que trouxesse em si mesmo o conteúdo perfeito? E se ao esparramar a pilha os sentimentos se perdessem, escorregassem, não parassem em canto algum? Se fossem redondos como bolas? Como saber que formato teriam? Perigoso. Ficar sem a pilha e sem sentimento algum seria catastrófico, tão acostumado estava a carregá-los... Decidiu colocar delicadamente a pilha no chão de areia, mas sem largá-la por completo. Amarrou firmemente todos os sentimentos com um cordão de cipó, que achou perdido na praia. Sentou-se sobre ela. E ali ficou, mais um a pesar na pilha interminável. Passaram-se dias, passaram-se meses, passaram-se anos. O tempo foi formando um escudo à sua volta. Como um casulo. Lá dentro, protegido de sua própria pilha, continuou a ensimesmar-se, concentrado, recolhido, ponderando sobre o que fazer com o que havia acumulado pela vida inteira.
6/11/2006
para você, que vive no passado

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Sinuca

Hoje vou a um bar. Sozinha. Mas tem de ser um bar como aqueles de filme, simples, feio, homens jogando sinuca, mulheres sentadas nas mesas. Entro sozinha porque sei que ninguém nota. Hoje sou sombra. Não é sempre que se consegue ser sombra. Hoje sou e posso aproveitar. Vou ao bar, beber, olhar, pensar. Pego uma cerveja, sento numa cadeira de madeira, mesa de ferro, bem no canto, no escurinho. Fico ali, bebendo. Escuto o barulho da bolinha na mesa de sinuca no intervalo das musicas. Vejo passarem o giz no taco. Os homens de camisa aberta, as mulheres riem alto, pernas de fora. Eu hoje não quero companhia. Estou triste. Perdi o chão, caí do cavalo. Quero ficar só. Quem sabe observando aprendo a jogar sinuca. Nunca me interessei... Acho que atropelei as etapas, andei rápido demais pelo caminho, tropecei. Escutei coisas que não queria escutar. Vi a cena desmoronar. Fico aqui no canto. Penso? Não sei se quero pensar. Mas hoje sou sombra, posso aproveitar. Vou jogar sinuca, acho até que sei, assim não penso no desmoronar da cena. Vou lá jogar com eles. Fico ao lado da mulher de roxo e do homem com tatuagem de jacaré. Estes torcem por mim. Quando chega minha vez eu me debruço sobre a mesa, braços firmes, olhar fixo e com um golpe certeiro, tranqüilo e firme, cutuco a bola 8. Ela entra na caçapa. E pronto. Esta tudo resolvido. 
Tita 14/11/2008.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Jogo

E o jogo de vaza, lembra? O do burro? Eu morria de medo de ser um. Tinha o de peças pra mover, de perguntas pra responder e tinha também aquele de quem errar paga uma prenda. Sem falar na queimada que a gente jogava no meio da rua, no jogo de dardos, de dados, da amarelinha desenhada a giz, de bolinha de gude... Bons tempos aqueles dos jogos no meio da rua que, com o tempo, foram substituídos pelo jogo de boliche, o ping-pong, o banco imobiliário e o resta um. Um dia mudei completamente o jogo, comecei a jogar charme, aprendi o jogo de palavras e o jogo da sedução, entrei no jogo e até escondi o jogo. Vez em quando faço o jogo do empurra ou até me jogo, como hoje, prá cima de você. 13/10/2008

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Liquefeito

Ultimamente tenho tido muitas duvidas, mas a que mais me perturba é a que diz respeito ao futuro. Tenho pensado muito, mas não consigo decidir que caminho tomar. 
A verdade é que não sei se quero liquefazer-me, como todo mundo. Tenho presenciado cenas em que as pessoas vão se desmanchando aos poucos, amolecendo, virando pasta e acabam por escorrer feito líquido. 
Eu tenho duvidas. Por que escolheriam este caminho? 
De minha parte, preferiria transformar-me apenas até o estado pasta e então paralisar o processo. Soube que é possível. É tudo uma questão de escolha, disseram. Todavia, até hoje não vi ninguém que fizesse esta opção, não sei por que. Acho pasta muito melhor do que aquele escorrimento que vejo pelas ruas quando volto para casa a pé. 
As pastas, parece-me, poderiam ater-se a algo se assim quisessem. Ser pasta não tira todas as possibilidades ao passo que liquefazer-se não tem nenhuma continuidade. Fora o cheiro que se percebe no ar quando a liquefação acaba de acontecer. Cheiro fétido... 
Não sei quantos anos me faltam, mas de qualquer maneira não está longe o dia em que terei de comunicar minha decisão. Tenho quase certeza de que decidirei fixar-me no estado pasta.
Se ainda tenho dúvidas é porque não gostaria de ser o único no meio do nada, um pasta só, sem nenhuma companhia. Talvez seja este o medo coletivo e, entre tornar-se pasta solitária ou derramar-se fetidamente no asfalto mesclando-se com os restos de todos, preferem o ultimo. Medo de solidão. Só pode ser. 
Levantarei a bandeira? Serei o primeiro? Não sei. Ainda não. Mas que não queria liquefazer-me, não queria. Acontece que não acho quem possa trocar idéias a este respeito comigo. Provavelmente meu cérebro já veio programado para ser pasta, mas se assim for, aonde colocaram os outros programados como o meu? Por que não agrupar os mesmos tipos nos mesmos bairros? Por que tornar difícil o que poderia ser tão fácil? 
Acho que querem me convencer. Deve ser algum tipo de estudo sobre a inegável mudança da programação cerebral decorrente do ambiente social... 
Não. Não vou colaborar. 
Recuso-me e, aliás, acabo de me decidir: liquefazer-me, não vou! 
11/11/2008