domingo, 29 de novembro de 2009

Duas cadeiras

Ao lado do presépio, três cadeiras. Numa delas a que espera as crianças, na outra a que se preocupa para que não falte presente para nenhuma no saco do papai Noel e na terceira a que, mesmo com dificuldade, falta de ar e muitas dores, nunca faltou.

Sempre presentes as três, com os cabelos a cada ano mais brancos, com as estaturas cada vez menores, com as mãos trêmulas, o andar vagaroso, acompanhadas uma por uma bengala, a outra por um cilindro de ar, mas sempre lá, reconhecendo a todos, conversando com todos, recebendo a todos com um beijo e um presentinho de natal.

Assim tem sido desde sempre. Desde os natais de nossa infância, desde as passagens de ano na Alameda Jaú, desde quando nos reuníamos nos almoços de domingo.

Através delas nos unimos e é por elas que todos os anos separamos mais de noventa pratos, copos e talheres e organizamos nossa festa de natal.

Olhando-as, tememos a cada ano que um dia uma delas nos faltasse e pedimos que nos mantivessem unidos e bons, e pacientes e compreensivos como sempre o foram e nos ensinaram.

Com elas aprendemos a força da perseverança e através delas nos compreendemos e perdoamos nossas inúmeras falhas prometendo sempre a nós mesmos não deixar nunca de nelas nos espelhar.

Porém o dia de ontem chegou (o que acredito já estava escrito, mas por que são assim escritas estas coisas?), e a partir de então nossas vidas não serão mais as mesmas, nossa festa não terá o mesmo sabor e as crianças deste natal saberão que é preciso crescer porque mesmo os mais fortes não estarão ali para sempre.

Neste ano não teremos mais três cadeiras ao lado do presépio no natal.

Uma delas, a que menos falava e mais observava e por observar tudo sabia, nos deixou.

Com ela levou um terço de nossa força, de nossa alegria e de nossa festa de natal.

Tita – 29/11/2009

Tudo a ver

Primeiro, nenhum sentimento me doía.

Depois, fui sentindo a dor.

Agora, dói-me sentir.

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Ser novo é estar longe de tudo e tocar o que se sonha.

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Ter idades é estar perto de tudo e não tocar

senão esse turvo espelho: saudades

Mia Couto em"A dor e o tempo" - idades cidades divindades

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Trampolim


Calor que se espalha pelo corpo,
vontade de contemplar o horizonte...
É como se uma nuvem tomasse conta dos momentos. 
A mente floreia cenas, 
perfuma quadros, 
apaga imperfeições,
 o coração pula, a mão sua e treme,
a boca sorri sem esforço, 
os olhos se semi-cerram, 
lágrimas alegres correm, 
emoção toma conta. 
Então,não vejo mais nada. 
Pulo do trampolim 
mesmo sem saber se o vazio é suficientemente fundo, 
se há braços que amparem 
ou se vou me esborrachar.
O fato é que, mesmo quando me esborracho, 
nunca acho que seria melhor não ter pulado! 

Tita - Revisto em 27/11/2009

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Estilhaços

Animou-se,
...............entregou-se,
.................................empenhou-se, .
.......................................................dedicou-se.
Revelou-se,
...............mostrou-se,
.................................envolveu-se.
Amoldou-se,
................rendeu-se,
................................apaixonou-se.
E então,
q
u
e
b
r
o
u
-
s
e
Hoje só es-ti-lha-ços.
Cacos pequenos,
disformes,
com e sem cor,
espalhados pelo
...........................chão.
Tita - 24/11/2006

domingo, 15 de novembro de 2009

Não se vá!

Não vá ainda!
Há muita troca de coisas a dizer e escrever. Faltam musicas a ser cantadas, poesias a declamar, ler nos livros as frases riscadas que gostamos de reler. Comprei entradas para o teatro, escrevi um e-mail pra você rir e outro ainda pra você se enternecer.
Preciso mostrar aquele texto que você corrigiu, saber se ficou bom, saber das minhas frases bobas e das palavras que repito demais. Sim, eu aboli metade das vírgulas.
Não se esqueça de que precisamos nos sentar na mesinha de madeira daquele barzinho de musica e, sabe da novidade? O quarto de hóspedes ficou pronto. Você disse que vinha, venha logo, quero saber quando você vem. Quando você vem?
Não vá! Ainda não é hora!
Temos de nos esquentar os pés tomando vinho nas conversas de uma noite toda e desta vai ser você deitar a cabeça no meu colo e eu vou acariciar sua testa, coisa que você sempre fez comigo. Já sei, você vai rir das minhas bobagens e devolver frases sarcásticas, ou ainda num repente se irritar e brigar sozinho enquanto eu escondo um sorriso. Você fica muito engraçado quando faz birra e espalha bravice para todos os lados.
Por favor não vá.
Eu quero contar do livro que estou lendo, preciso saber quem é a cantora da musica que você mandou e me diga, você escutou todas aquelas que eu mandei?
O Ipê sente saudade, o cão está triste, a praça esta só. Olhe na janela, a borboleta quer entrar e tem saudade do aconchego do sofá.
Sinto tanto a sua falta!
Não vá ainda, não vá!
Tita 15/11/2009

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Fugindo

Você deu a entender mil vezes: percebi, mas fiz que não.
Você insinuou: percebi, mas fiz que não.
Você escreveu: preferi não ler.
Você cantou: não liguei o som.
Você representou: fingi não ver.
Você fotografou: não olhei.
Você desenhou na areia: passei longe.
Até que você gritou.
Fiz que não escutei.
Ouvidos moucos não escutam gritos roucos.

  TITA 29/08/06

domingo, 8 de novembro de 2009

Retrato


Arrumo o armário. Esta roupa não quero mais, esta uso pouco (coloco para trás). 
Da gaveta das meias, vou tirar aquela furada. Que pena, tão gostosa no inverno... Melhor não guardar mais, se guardo acabo usando.  
Quero começar o ano com tudo arrumado. 
Esta calça não serve, ficou apertada. Vou emagrecer, sem duvida alguma. Vou guardar. Gostava tanto quando usava... Quantas bolsas! Porque preciso de 4 bolsas pretas? Esta foi minha irmã que deu, esta uma amiga trouxe da Argentina e esta....esta me lembra uma noite que parece estar longe mas está sempre perto.  
Lembro-me de você chegando com aquela caixa grande e seu sorriso enorme. O abraço apertado ao me dar o presente, minha curiosidade e alegria ao abrir. A bolsa preta. Esta bolsa preta, que hoje faz parte de um armário sem ordem aonde nada tem lugar certo, nada fica perfeitamente reto. Sinto tristeza, embarco na nostalgia. 
Lembro-me de que guardei a caixa grande. Pego no alto, na ultima prateleira do armário.Dentro a rolha do champanhe, o cartão que veio com as flores, um guardanapo com um pouco de batom e uma frase bonita, o cinzeiro daquele hotel na montanha, o cachecol de lã, o invólucro do bronzeador, a fita que amarrava a caixa do presente, suas cartas... e o retrato: nós dois, juntos.  
Deixo o armário, coloco a nossa musica, olho o retrato e embarco de volta ao nosso tempo.  
Quando cada caminho desembocava em lugar certo, quando cada pensamento culminava em realidade, quanndo nada no mundo era desarrumado.
Tita - 2006

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

CHAMADO

A musica, o tom,
o sorriso maneiro,
cerveja gelada,
chocalho de lata,
o hospitaleiro, a vida pacata. Na madrugada, errando caminho,
voz já cansada,
tropeço na estrada, conversa na praia, dormência no sol, olhar o horizonte,
andando na areia.
Saudade vem,
Saudade aperreia Saudade me chama
prá ser sereia. Tita - junho 2009

terça-feira, 3 de novembro de 2009

No alto da montanha

Fim de dia na casa encravada no meio da mata. Musica mistura-se ao canto da cigarra e dos grilos embalados pelo som do mar.

Não vejo as ondas do alto da montanha, mas escuto a água que toma a areia e volta no ir e vir e ir das marés.

Ainda tenho no corpo a sensação do mergulho no sal a me refrescar do quentume do sol.

Depois, estirada na areia, o cochilo, vozes ao longe, praia de pouca gente, a sempre bem vinda paz dos verões ao mar.

Fragmentos misturam o sonho à vida, o passado ao presente. Momentos de mar que, como as marés, vão e voltam em inesquecíveis pedaços já vividos, em sempre verões, em sempre sal e sensações que como as ondas vieram e se foram para sempre e, como as ondas hão de, sempre e sempre, voltar.

Tita

Praia Vermelha do Sul - 1/11/2009

domingo, 1 de novembro de 2009

Ocupado

Nada mais cabe dentro deste conglomerado de neurônios eternamente em ação. 
Não cabe mais. 
Fecho a porta lutando pela conservação de uma pequena área, reserva obrigatória para abrigo de meus sonhos, cenas futuras imaginadas, poemas, pessoas queridas, sentimentos fortes
e minha paixão incontida, reflexo deste coração e de meu amor pela vida. 
O restante já quase explode, totalmente ocupado com o peso da realidade.

Tita - 20/03/2008