sábado, 25 de dezembro de 2010

Desfolhando o manjericão



Na minha família temos tradições de natal a manter: a procissão das crianças carregando o menino Jesus (só é colocado no presépio na noite de natal), as velinhas acesas, todos cantando, as orações em conjunto e os abraços de feliz natal.
Depois, o papai Noel entrando pela janela com o saco de presentes para todos os menores de dez anos e então, muito importante, o macarrão com nozes e manjericão (não, não é um macarrão ao pesto, o molho é diferente e é quente). Ai como é bom!
Quando nos juntamos somos mais de noventa e todos esperam pelo macarrão. Coisas de família italiana...
Com o tempo minha mãe foi mudando a receita e por  isto, a cada ano, tomo nota novamente dos ingredientes, tarefa difícil, uma vez que nada é medido, tudo a olho e com diferenças de um ano para o outro, nunca entendi como é que se consegue sempre o mesmo resultado final. 
Ontem coube a mim desfolhar o manjericão (cinco maços!!). 
Munida de duas bacias sentei-me ao lado de minha mãe, você me ajuda? Sim! E, lado a lado, tiramos dos galhos cada folhinha que colocamos cuidadosamente em um pote. 
Enquanto trabalhávamos minha mãe lembrou-se da moça que trabalhava com ela e sabia fazer a festa toda como ninguém (nunca se soube como num repente virou a cabeça e começou a roubar as coisas da casa); da mesa farta; "sua avó não punha manteiga no macarrão, mas eu coloco"; de quando sorteávamos mais de sessenta presentes que minha mãe comprava ao longo do ano; pena não posso mais sair por ai comprando os presentes...; de minha avó esperando a procissão das crianças ao pé da árvore de natal, com minhas tias e minha mãe ao lado.
Ficamos as duas quietas, olhando o monte de folhinhas que crescia e então eu soube que ela também se lembrava da família toda reunida e que pensava em como seria este natal em que, no lugar da minha avó e das três tias, apenas ela estaria ao pé da árvore, esperando a procissão das crianças.
Suspiramos juntas, voltamos ao trabalho e conversamos sobre outros preparativos.
Na noite de ontem minha mãe não quis sentar-se ao lado do presépio. Ficou em pé na frente do sofá enquanto ao som de "os anjos todos os anjos", as crianças entraram em procissão. As orações foram feitas pelas primogenitas de cada uma das três famílias e em seguida eu disse "mãe, diga alguma coisa" e ela disse: "bom natal".
Abracei a todos enquanto pensava que estamos todos soltos dos galhos fortes que tão bem nos prendiam, mas sem duvida nos mantemos juntos, como as folhas que minha mãe de noventa anos e eu, colocamos dentro de um mesmo pote.
Tita - 25/12/2010

foto: manjericão
flickr: http://www.flickr.com/photos/yvone/3651827706/sizes/z/in/photostream/

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

O ultimo dia

Uma agitação está tomando conta de todos os cantos. Um se levanta, outro fala alto, movimentação no entra e sai da sala grande. Todo mundo está ficando alegre, alguém distribuindo chocolates, a chefe mandou, que bom, a chefe está com o espírito natalino incorporado, vai começar o amigo secreto, por que você não vai participar? Eu ia mas desisti, me sentindo por fora e agora estou achando que é tudo uma grande família, hehe que coisa engraçada, tem festa depois, deix'eu arrumar a mesa para não ficar bagunçada ai que bom só volto no fim de janeiro nossa, você vai ficar fora esse tempo todo? Eu vou, e você não vai tirar férias? Eu não mas tiro depois, mais para o meio do ano, por enquanto só esses dias obrigatórios. É, no meio do ano também é bom mas eu estou louca, louca por férias, tenho de ir, tenho de correr um pouco sem rumo, neste ano tive rumo demais.
Estou ficando tão e tão alegre mas que bom não vou usar mais relógio e amanhã fico na cama até a hora que der vontade, já vou subir para a festa, só quero acabar de escrever isso aqui. Melhor deixar um recado de que estarei fora no telefone será que não me esqueci de nada? Se precisarem de mim podem chamar, há coisas que são importantes mas nada vai precisar de mim, tenho certeza e vou aproveitar, um monte mas que pena já estou achando que é muito pouco tempo, neste momento me parece que preciso de tantas férias que não será nunca possível ter tanto quanto preciso, então vou ter só o que é possível eu volto, volto sim mas quero tudo diferente e cheio de pique e de garra e daquela vontade de que me lembro, lembro sim como era bom.
Já vou subir para a festa,"ta" todo mundo alegre, vamos lá o ano que vem vai ser um novo ano e vai dar tudo certo, vocês vão ver, eu vou ver, ai que bom seria, é preciso acreditar, e eu acredito porque sou dessas que sempre acredita, e luta, e quer.
Que coisa boa que vai ser!
Tita - 17/12/2010

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Buracos na parede

Sentavam-se todos na sala pequena, mil almofadas pelo chão. Temperatura agradável apesar do frio que se podia ver pela janela. Burburinho, conversas, algumas risadas, ela só escutando, não sabia o que dizer.
A máquina de projetar slides aguardando em um canto.
Vários fumantes, sala enfumaçada. Alguns reuniam-se em volta de uma mesa pequena e, com as pontas de seus cigarros faziam furos nos slides espalhados sem nenhuma ordem.
Ela pensava mas para que é que fazem isso?
Viu que ele pegava os cromos, alguns inteiros e outros furados e colocava no carretel. Preparava a luz, o foco projetado na parede e então, cena preparada, colocava uma musica, som bem alto (Pink Floyd, Leon Russel, David Bowie, Alice Cooper, Eric Clapton), pronto gente, vai começar!Todos alegres, movimento, tropeços, deitavam-se nas almofadas do chão e aí silencio.
A ela parecia que era tudo combinado. Imitou, deitou-se também, almofada macia.
A projeção começava e então o cigarro passava de mão em mão.
Ela, curiosa, pegou e, como os outros, puxou a fumaça bem forte, segurou na garganta, depois soltou. Agia como se fosse acostumada, disfarçando a apreensão, esperando ansiosa, para saber o que acontecia.
Sem querer desligou o pensamento, a musica invadiu seus ouvidos de um jeito estranho e os buracos nos slides passaram a fazer todo o sentido. Cada novo slide a fazia entrar mentalmente dentro da tela e percorrer caminhos que nunca havia percorrido, que buraco é este? Escutou palavras desconexas, alguém começou a dançar, pensou eu não que nunca vou me levantar e começar a dançar deste jeito mas depois foi como se estivesse sozinha naquela sala, não havia mais ninguém, só aquele buraco projetado na parede, levantou-se pensou eu vou lá, ver o que há além do buraco, eu quero ver e foi indo, foi indo, quando chegou não conseguia ultrapassar a parede, sai da frente, sai da frente, assustou, ficou sem graça, nossa, achei que estava sozinha desculpem, risadas, quando viu dançava também e logo não havia mais projeção e todos dançavam não se lembra quando pegou uma almofada e levou para um canto da sala, ajeitou-se assistindo a tudo como a um filme. Pensou que filme bom, mas não saberia contar o enredo.
Quando acordou já era dia, muita gente dormindo em almofadas, espalhados pela sala.
Pulou um a um, saiu da casa sem fazer barulho e foi andando para casa, o dia amanhecendo, frio e sono, sorriu:
agora eu sei como é.
Tita 10/12/2010

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Olhando de fora


Ela, cansada de dizer chega.
Ele, repetindo ainda não, ainda não.
Ela sabia que de nada adiantaria este prolongar das coisas mas ele insistiu, ela pensou vai que ele tem razão... E então, mesmo certa do não, disse sim.
Ele fez o que pode, ela bem percebeu. Porém o todo já tomara conta dos momentos presentes e se estenderia pelos que haveriam de vir, se houvessem.
Chegou o dia em que ele disse concordo chega e ela, num repente, não soube o que dizer.
Bem ela, pensou ele, que sempre soubera o uso correto das palavras certas, nas horas certas...de que adiantava saber as regras gramaticais agora?
Ela, muda, só pensou, tá danado, mas não falou.
Ele virou as costas e se foi, olhos secos, garganta seca.
Ela, coração aos saltos, lágrimas nos olhos, muda e estática, e agora? E agora?
Vazio.
Barulho de silencio.

Tita - 8/12/2010

foto: sem dizer adeus: Saulosisnando
http://www.flickr.com/photos/8775289@N06/5162214815/

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Pressa

Não é sempre que o tempo urge.
Mas hoje, urge!
.
O tempo urge, o tempo urge!
Urge do lado de fora,
na chuva com pingos grossos.
Urge no sol de que a pele tem saudade,
nas paisagens ainda a ver.
.
O tempo urge, ai como urge!
Urge nas caricias que esperam na curva da estrada,
nos beijos nunca beijados,
nas amizades que chamam,
nos abraços apertados.
.
O tempo urge, nossa como urge!
Urge nos mil livros que há para ler
nas histórias a escutar
nas idéias a colocar em prática
no largar o que não da prazer.
.
O tempo urge, urge!
Urge nas risadas a dar,
nos sorrisos que virão,
na emoção a transbordar,
no carinho inesperado,
no urgir da paixão.
.
O tempo urge!
No abrir das janelas,
No tomar das frentes,
Na derrubada das fronteiras,
E no abrir das mentes.
.
O tempo chama
O tempo reclama
O tempo agita,
O tempo incita.
.
O tempo urge, o tempo urge!

Tita 03/12/2010

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Você sabia?


Nada melhor do que o fato de sair fora da situação opressiva e ganhar o mundo?
Depois carregá-lo, como a um presente, com cuidado...
Não se pode esbarrar nem derrubar!
O mundo quebra, assim como vidro, em mil pedacinhos...
Você sabia?
Eu aprendi.
Então, tome tento!
Ande devagar e com cuidado, olhe bem por onde passa, com quem anda, o que faz.
Fale baixo.
Além de ser frágil, o mundo se assusta.
Melhor alimentá-lo com bons "pensamentos, palavras e obras".
E deixe-o dormir quando tiver sono.
Fica irritadíssimo quando cansado.
Nessas ocasiões ataca o que aparecer pela frente.
Uma vez eu o vi chutar o sol em direção à lua.
Fez-se noite fora de hora e formou-se uma tempestade horrível.
Houve um estrondo e o mar invadiu as cidades devorando casas, animais e plantações.
Portanto, cuidado.
O mundo se revolta facilmente.
Você sabia?
Eu aprendi.

Tita - 01/12/2010
foto: bola de vidro - Fábio Pusch

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Nem que seja!

Acho que são outros momentos, estes. Diferentes dos tranquilos meus conhecidos.
Talvez sejam momentos de irritação da natureza; trovoadas, mar bravo, onda que teima em me submergir.
Vulnerável e incapaz de reagir deixo-me afogar e vir à tona, afogar e vir à tona e de novo quase afogar. Nem abro os olhos e procuro não pensar.
Quando o tumulto acaba, solto meu corpo e bóio no mar, deixando que a chuva lave meu rosto com a água doce enquanto o corpo arde no sal.
Se a onda vem novamente, deixo que me leve e traga e embole e quase me afogue, enquanto engulo o sal do mar. Faz parte.
Não há possibilidade de nadar contra a corrente.
Em momentos assim, o melhor é navegar conforme a maré...

Nem que seja para engoli-la!


Tita - 30/11/2010

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Outros ventos



Se existe algo de que nunca tinha gostado é do vento. Incomoda-me, fico com os olhos ardendo, dor de cabeça, falta de ar, fujo, encontro lugar protegido.
Porém, como tudo tem alguma mudança durante a vida, peguei-me tendo momentos muito alegres ao vento, em minha ultima viagem.
Terá sido este vento algum vento diferente que, por este motivo, não me causou os incômodos de sempre?
Será que o vento, vindo de outros mares, principalmente o da cor mais linda que já vi, trar-me-ia sempre a sensação que me trouxe?
Adorei o movimento, a farra do voar dos cabelos e das roupas, as risadas, o inesperado da situação.

Viajar muda tudo!

Tita – 29/11/2010
foto: acervo pessoal -
Valparaiso -15/11/2010

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Chile

El blog camina. Chile y lagos andinos. Quien sabe encontrará  inspiración mayor, la que transforma todas las cosas en dibujos de sentimientos en el papel.
El blog va a los Andes, y quiere, al regressar, llenar los espacios en blanco.
El blog va, pero vuelve.
Tita - 13/11/2010202

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Afogado


Já la ia o tempo em que se afogava a cada momento. 
Afogava-se  nos pensamentos que o assaltavam ininterruptamente, nas decisões que tinha de tomar.
Sentia-se sufocar procurando achar a decisão correta para que pudesse, enfim, largar a mente. Conseguia, mas não sem antes afogar-se e era só depois de muito afogamento que algum pensamento salvador trazia a decisão que, finalmente, o resgatava.
Ai que alivio! 
Lá se ia o tempo do afogar-se em sentimentos que, de tão fortes, o levavam ao fundo enquanto se debatia procurando emergir, sem êxito. Então, afogava-se e novamente se afogava, até que fugia de qualquer coisa que sentisse, só para que não lhe trouxesse o afogamento, a falta de ar.
Já lá ia o tempo pensou, satisfeito.
Que bom que já lá ia.
Bom...
Num repente a tristeza, enorme, tomando conta, ocupando os pensamentos, os espaços, a casa, o ar.
Uma lágrima escorrendo pela barba, pelo pescoço...segurou com as mãos.
Que vontade, que vontade enorme e louca tinha, de novamente se afogar.



Tita, 10/11/2010

foto: flickr 
Afogamento, por lotusazul
http://www.flickr.com/photos/lotusazul/4155533929

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

O eu

Escondeu-se no arvoredo só porque lá havia sombra e era silencioso.
Como ninguém soubesse aonde estava, fizesse o que fizesse ninguém o veria, julgaria ou  aconselharia.
Agora sim, pensou, posso ser eu mesmo.
Decidido disse alto: agora posso ser eu, Eu, EU!
E ficou imóvel, esperando o eu que não chegava.
Cansado da imobilidade andou um pouco, falou sozinho.
Dizer o que para mim  mesmo?
Sentou-se, conversou um pouco com as árvores, cantou, a voz saiu fraca e sem força. O pensamento não elaborava nada.
Levantou-se, saiu do arvoredo e caminhou em direção às pessoas que, sentadas em circulo cantavam, comiam e conversavam.
Enquanto cantava, juntando-se ao coro, o pensamento voltou a fervilhar.
Tita - Vinhedo, 2/11/2010

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Vento, ventania


Coxas entre as coxas, não sentiam frio. Abraçados, escutavam as rajadas de vento que invadiam a casa na noite de inverno.
O barulho fazia com que se abraçassem mais e mais forte.
Imóveis e nus, não tinham coragem de levantar-se.
Mesmo porque, disse ele, aqui está ótimo.
Ela concordou: levantar-se por que?
A segunda-feira chegou e não foram trabalhar. O telefone tocou não atenderam, a campainha insistiu na porta de entrada, o interfone chamou mais de uma vez, desligaram os celulares.
Riram, abraçaram-se e ali ficaram.
Numa manhã, um raio de sol entrando pela janela os acordou. O frio já não era muito, jogaram o edredom no chão. Ela correu até a cozinha e buscou comida.
Conversaram, perguntaram-se ideias e opiniões, descobriram o em comum, fizeram planos.
Telefonaram para o local de trabalho e informaram, cada um a seu tempo, que haviam ficado presos em local sem telefones.
No dia seguinte levantaram-se, vestiram-se e, despedindo-se com carinho, foram trabalhar.
Ela pensou vou telefonar, mas não telefonou, ele pensou vou telefonar, mas não telefonou, ela pensou vou convidá-lo, mas não convidou, ele pensou vou passar lá, mas não passou.
A vida atribulada, o muito trabalho, as obrigações sociais, o cansaço...
Nunca mais se viram.

Tita - Vinhedo, 2/11/2010
Tudo a ver
"O real não está na saída nem na chegada.:ele se dispõe para a gente é no meio da travessia"
João Guimarães Rosa

foto: olhares - Raquel Aragão

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Angel


Viu um vulto.
Talvez pudesse chegar perto e, como se nada fosse, lançar perguntas...
Não, isso seria complicado, poderia afugentá-lo.
Talvez devesse apenas colocar-se ao lado, sem nada dizer.
Transmitia paz. A luz, a cor, os gestos, a voz longínqua que soava como acordes que a enlevavam.
Passo a passo aproximou-se. Cada vez mais perto, cada vez mais nítido o alcance, o nirvana.
Então, o vulto abriu grandes asas, elevou-se e desapareceu.

Tita - 01-11-2010
foto - google

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Guerra fria

Eu não me mexi!
Foi a poltrona vermelha em que eu estava sentada que começou a crescer de um jeito estranho, apertando meu corpo por todos os lados. 
Procurei levantar-me, alguma coisa me prendia, quis  soltar-me, não consegui, pensei entrar em desespero.
Gritei, piorou.
Pedi, implorei, apertou e cresceu mais.
Então fiquei quieta, imóvel, procurando nem pensar, tal era o medo. Num momento acreditei que sufocaria porque não parava de crescer e colocar-me, cada vez mais, atada, fechada, abafada, isolada de tudo.
Fechei os olhos, procurei levar meu pensamento longe, mergulhei no meu mar mental, escutei musicas mentalmente, consegui sentir-me fora do corpo e percebi que, agindo assim, nada mais me faria mal.
A poltrona poderia crescer, apertar-me o quanto quisesse, eu não sentiria mais nada. Estava em meu mundo, aonde nada poderia me alcançar.
E então aconteceu: a poltrona murchou, desistiu, voltou a ser uma simples poltrona.
Acho que aprendeu que o que quer que fizesse, de nada adiantaria.
Eu me safo!

Tita, 28/10/2010

terça-feira, 26 de outubro de 2010

A rainha de copas

Há momentos em que nada do que você faz ou diz, alcança outros olhos ou ouvidos da maneira que você pressupôs.
É quando o verdadeiro você e suas reais intenções ficam invisíveis para o mundo.
A transparencia toma conta a tal ponto que chega a apavorar. Nenhuma lógica entende a sua, nenhuma palavra que você pronuncie exprime seu pensamento.
Então cale-se e não se mova.
Querendo ou não, você já está mudo.
O caminho torna-se um labirinto e o leva, invariavelmente, de volta ao mesmo lugar.
Mesmo que não acredite, você está cego e perdeu o senso de direção.
Antes que o sentimento se estenda e assalte também sua sanidade, recolha-se; faça silencio; não pense. Procure não fazer movimento ou produzir som.
E, se a rainha de copas estiver por perto tome cuidado, proteja-se. Qualquer falha poderá levá-la a gritar: cortem-lhe a cabeça...Cortem-lhe a cabeça!


Tita 25/10/2010
desenho/foto: Juls
http://www.flickr.com/photos/desenha_ju/

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Lichtenstein

O dilema de todo o artista é o tema (você diz) e resolvemos que (sim) pediremos um vinho branco, seco.
Brindamos ao nosso feito (seu e meu) e sabemos somos (nós dois) artistas, cada qual a seu modo, cada qual em seu caminho.
Se sim (diga-me por favor), qual seria o meu (o seu) tema?
Por não saber a resposta nos alegramos quando o  vinho chega e pensativos (cada um a seu tempo), nos imaginamos dentro do enorme quadro de Lichtenstein porque sabemos que, naquele sofá, poderiamos estar (fossemos outros), você e eu.
Nós dois que (um dia) nos perdemos em caminhnos paralelos que poderiam (como você diz) ser perpendiculares.
Ficou pelo meio a segunda garrafa de vinho que (pensamos) nos aproximaria e seguimos (cada um), com a promessa de (quem sabe um dia) estarmos juntos por ao menos um fim de semana, como nunca estivemos.

Tita, madrugada, 21 de outubro de 2010

Tudo a ver
Do I know many ways, that I can make you laugh, or do I only know how to make you cry?
Leon Russel

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Espírito




















Não sei de onde veio meu espírito,
que corpos habitou,
que galáxias conheceu,
que curvas trilhou.

Não sei aonde aprendeu o que me trouxe,
que cursos freqüentou montado em seus cavalos,
que conversas teve que lhe abriram os olhos da mente.

Não sei o que fez,
se foi bom ou ruim em outras vidas,
se já evoluiu nos degraus espirituais,
se fez o bem feito
ou procurou safar-se, sempre.

Não sei nada do que foi antes de escolher-me
e nem mesmo sei por que motivo fui a escolhida
para tê-lo em mim.

Não sei.

Mas sei que foi ele
e só ele
que trouxe,
em mim,
o que me faz
ser eu.

Tita - revisto em 13/10/2010

foto: The Spirits - Vijay
http://www.flickr.com/photos/vijayphulwadhawa/4334203512/

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Becos

Procurei nas galerias subterrâneas, andei pelos becos,
percorri corredores longos e escuros,
entrei nos túneis sem luz
e nas casas abandonadas.
Cansada, deixei-me ficar numa rua de movimento, 
escutando a conversa dos que passavam.
Não sei como,
de pé e encostada na parede,
adormeci.
Senti-me cair e acordei sobressaltada.
Ja era dia.
Mais um,
pensei
e reiniciei a procura pelas galerias subterrâneas.
Andei pelos becos,
percorri corredores longos e escuros,
entrei nos túneis sem luz...

Tita - 12/10/2010

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Arte e chuva

Banco de trás de um táxi, fim de tarde chuvoso.
Transito, escurece, farol abre e fecha sem que o carro se mova.
Gosto dos desenhos que os pingos de chuva formam na janela, gosto do reflexo que emanam com os raios das luzes da rua.
Fosse uma artista desenharia os pingos que, pelas sombras, se formam em minhas mãos, nas roupas, no caderno.
Pudesse, lhes daria o movimento que vejo quando mexo minhas mãos e então se deslocam, caminhando sobre mim, formando desenhos em constante modificação.
Fosse artista, faria dos pingos uma arte em movimento.
No banco de trás de um táxi, apenas os escrevo.
Silencio.
Ninguém buzina,
Conformados, todos, com o caos diário.
Conformada eu que, escrevendo, viajo na sombra dos pingos.

Tita, 07/10/2010
Foto: flickr: Lu Volonghi - Duvidro: http://www.flickr.com/photos/luvolonghi/2438098925/

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

O homem de azul

Andava de um lado para o outro como se estivesse muito preocupado. Muitas vezes eu o escutava  murmurar frases sem nexo, ou rir consigo mesmo.
Alguns dias vestia roupas claras mas, na maioria das vezes, usava azul marinho. Foi por isto que o apelidei de “o homem de azul”, uma vez que nunca soube seu nome.
Era azul, aquele homem. Azul marinho.
Cor de noite solitária, sem estrelas.
Eu o escutava logo cedo andando pela rua com seus sapatos barulhentos e corria para a janela. Aquele homem me intrigava e chamava minha atenção. Eu o perseguia com meu olhar tentando adivinhar seus pensamentos, seu tipo de vida, seu gênio e seus gostos.
Não, o homem de azul jamais cometeria uma grosseria.
Nem deveria gostar de estar assim tão só...
Sem duvida tinha o gosto requintado de quem já frequentou círculos fechados, dançou em grandes salões e vestiu todas as cores.
Um dia me aproximei e passei por ele, só para ver seu rosto.
Tinha profundos olhos aquele homem. Azuis marinho, como sua roupa.
Olhei, olhou-me. Fixou seus profundos olhos em mim.
Um arrepio percorreu todo o meu corpo. Eram olhos apavorantes.
Olhei bem.
Olhos sem fundo.
O homem de azul não tinha alma.
Era um corpo sem recheio que poderia a qualquer momento transformar-se em ar, sem deixar vestígios.
Corri, sem rumo, cada vez mais depressa, cada vez mais longe, procurando tirar o homem de azul de dentro de mim.
Deixei-o longe, muito longe.
Porem, muitas vezes, pego a mim mesma pensando nele, acreditando que está andando para lá e para cá com seus sapatos barulhentos.
Tita
re-escrito em 04/10/2010

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Tombo


Quando chegou ao cume desistiu.
Percebeu que viver o triunfo não era o mesmo que imaginá-lo.
Sem o sonho, não existia o desejo do futuro.
Sem a luta, não havia o porque do caminho.
A graça estava no esforço da subida.
Por isso deixou-se cair, bem fundo.
Só para ter o prazer de,
lentamente,
subir de novo.

Tita, 01/10 2010

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Estrofe



Quando tua vida me penetrava
Não havia vida fora de mim.
Tendo a tua, a de fora a mim não vinha
e a que punhas em mim,
só em ti achava fim.


Tita - 27/09/2010





domingo, 26 de setembro de 2010

Entre uma coisa e outra

Em cada canto um petisco, um enfeite, uma pessoa interessante, alguém vestido de um jeito peculiar. Na mesa compotas e bolo, que tiveram o lugar cedido por potes de barro recheados de comida suculenta.
Pessoas indo e vindo ao som de blues.
Conheci pessoas diferentes, soube de vidas diferentes da minha. Ficou a sensação de quero mais como fica também o que bem lembrou: nascemos sem querer e morremos sem saber. Só nos resta aproveitar o meio tempo.
Vamos sim, aproveitar!
Que nossas vidas se cruzem muitas vezes e possa eu, um dia, retribuir tudo o que sua alegria nos trás.
Feliz aniversário,
Tita
26/09/2010

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Cadê?

Sim, eu estou aqui. Andei procurando inspiração mas voltei sem ela.
Se você souber aonde está, não deixe de me dizer.
Tita - 21/09/2010

Tudo a ver
"Ciclo seco não desaba de repente sobre alguém; chega aos poucos, insidioso, lento. Quando se percebe que se instalou, geralmente é tarde demais. Já está ali. É preciso atravessá-lo como a um deserto quando se está no meio e a água acabou."
...
"Só que passa, por ser ciclo, e por ser da natureza dos ciclos passar"
...
"É preciso paciência. E contemplá-lo distante como se estivesse fora dele, e fazer de conta que não está ali para que, despeitado, vá-se logo embora e nos deixe em paz."
Caio Fernando Abreu - Pequenas Epifanias - Breve introdução ao estudo do ciclo seco.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Sabor



Crescem flores enquanto amoras maduras caem no chão formando um rastro vermelho e escuro.
Relembrando grama molhada e cheiro de mato, penso em como seria bom pisar nas frutas com o pé descalço, coisa que nunca fiz.
Frustas macias, corpo nu?
Afasto o pensamento de que o perfume chamaria mosquitos e moscas e construo a cena ideal: frutas coloridas, corpo nu, silencio
Deito-me nas frutas macias que envolvem meu corpo, tendo a certeza de que sairei dali com a pele revigorada, textura macia, mente colorida. Abandono–me ao revigorar, viro-me de todos os lados, sinto em meu corpo todos os sabores.
Meus pés deslizam por frutas macias, minhas mãos amassam a variedade de texturas que aos bocados mordisco quando volto de pensamentos profundos.
Meu corpo preguiçosa e languidamente sente os aromas, minha língua os decifra: sabor de mistura.
Na minha vida também, tudo se mistura. Pudesse come-la, defino, teria este gosto.
Estou feliz por estar aonde nunca estive, sentir gostos que nunca senti e ter em mim todos os aromas e cores.
Sinto paz.
Sorrio.
Minha vida sabe a frutas.

Tita - 16/09/2010
imagem: google - site de origem: cronicasdeumapessoacomum.wordpress.com

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Breu

Mansa solidão a madrugada embala
enquanto o breu de pequenas luzes se recheia.
Raios brancos explodem das ondas a respingar no ar
relembrando o encanto, um dia desfeito em acordes sem harmonia.
Não te procuro porque sei que não estás aonde deverias
e já se foi um tempo que não mais teimamos em reviver.
Só lembranças povoam as barreiras que meus olhos ultrapassam,
a ver o que sempre se manteve escondido.
Permaneço muda, estática,
enquanto meu sentimento gira em movimentos bruscos.
Vencida e fluída, fecho os olhos e me abandono,
abraçada pela noite que transformou minhas lágrimas em chuva.

Tita – Guarujá, 06/09/2010

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Pensieri

Meu corpo cansou-se antes do raiar do dia,

minha mente fervilhou antes do cair da noite.
Minha boca calou-se enquanto meus pés dançaram,
meus ouvidos fecharam-se para nada escutar.
Você cantou. Percebi pelo movimento da boca e dos olhos.

Pensei, por que não fomos?

Repensei,  por que fomos?

Tita
Guaruja – 7/09/2010

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Teu aniversário


Dar-te-ia bom dia no dia do teu aniversário e brindaria contigo teus anos que, de tantos que eram, tão poucos se tornaram.
Surpreender-te-ia, desculpando-me por não ter estado sempre ali.
Dividiria contigo tua alegria e sentimentos divulgados a tantos e sempre tão perigosos ventos.
Conteria tua verve ferina e mostrar-te-ia o reverso dos fatos.
Retribuiria com sorrisos sinceros o café carinhosamente preparado e deixaria recados em teu espelho.
Beberia com ânsia tuas palavras e a tua voz bonita, aos goles de Carmenère.
Dividiria teu sofá em conversas perspicazes, alegres e instigadoras de uma noite inteira.
Quem, diga-me tu que tudo sempre disseste e hoje nada podes dizer, quem aplacará a dor de não ter-te aqui para abraçar-te, no dia do teu aniversário?
Feliz aniversário meu amigo ausente, estejas onde estiveres a, sem duvida, sorrir de minha dor enquanto teus olhos se enchem de lágrimas.

Tita
08/09/2010
Foto: Air Jordi - http://www.flickr.com/photos/airjordi/

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Visita

Quem é você da beira mar que me visita a cada dia?
Quando vejo que veio, meu coração se alegra e então sorrio, feliz.
Dou-me ao luxo de tornar poesia o que me vai no peito e, muitas vezes, é para você que escrevo.
Para que não deixe de vir, procuro embelezar a tela, e colorir as letras.
Você me motiva, me acompanha, faz-me sentir que vale a pena transbordar.
Que bom ter a sua companhia, todos os dias, junto ao que me vai na alma.
Bem vindo você, seja quem for.

Tita, 02/09/2010

foto: Puerta de entrada al pasado - Gabriel S. Delgado C,

domingo, 29 de agosto de 2010

Aranha alucinada

Na teia da aranha
Ficou surpresa. Não sabia que o simples fato de passar naquela rua a faria lembrar-se. Pensava ter-se esquecido totalmente  mas ali estava re-vendo, re-pisando, re-lembrando cada detalhe.
Os pensamentos deslizavam pelo espaço entre o lembrar-se e o esquecer-se, assim como todos os acontecimentos deslizavam à sua volta. Quero ver se aguento, pensou. Afinal, é apenas acelerar e ir em frente.
O sinal abriu e não conseguiu mover-se porque a lembrança se apossara de todos os espaços, entrara dentro do carro e grudara nela como uma teia, viscosa e mole.
Deitou a resistência no visco da teia e deixou-se levar, abandonando qualquer tentativa de modificar os acontecimentos.
Perdeu o senso, o tempo, o espaço.
Quando voltou, tinha virado aranha.
Tita - 28/08/2010

foto: Na teia da aranha - Jony Cunha
http://www.flickr.com/photos/jonycunha/4376150714/

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Quero água!

Hoje li uma manchete de jornal, naõ sei aonde que, em letras garrafais reclamava do tempo seco.
O secume atrapalha, traz doenças, resseca os narizes, nos faz dormir mal e acordar cansados.

Acho que foi o secume que atingiu minha cabeça, fazendo com que eu tenha escrito tão pouco.
Deve ser mesmo o secume do ar que tem se apossado de mim ultimamente. Vai tomando meu corpo,  deixa-me eternamente cansada, encobre meus movimentos, embota meus pensamentos.
O secume atingiu minha cabeça e sentou-se com força sobre minha criatividade. Como um ditador (pensei que tinha me livrado de todos eles!) define: agora você não cria. E ponto.
Hoje distraiu-se. Deve ter adormecido, sinto-me um pouco mais leve e dada a rolar os dedos por este teclado. Meus pensamentos arriscam sorrisos apesar do dedinho do pé quebrado, (isso mesmo, o esquerdo) e dedinho do pé quebrado traz lembranças que me fazem sorrir. Um dia, um dedinho quebrado...
Sim, tudo culpa do secume no ar.
Logo virão águas. Entrarei numa cachoeira e escreverei vertentes que crescerão em rios e tomarão todos os espaços deste branco que teima em se apossar daqui.

Tita - 20 de agosto de 2010
Foto: Monjolo - Orley Antonaglia - http://vanorley.blogspot.com/

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

alma
















Leve torpor que m'encobria a alma
Como se jamais fora minha
Hoje tremula, vê longe a calma
Dos dias em que ind'eu a tinha.
.
Fugiu numa tarde quente
em que eu estava a vagar
deixei-a de lado, descrente
e não voltei p'rá buscar.
.
Sozinha ficou ao relento
aturdida, a chamar e chamar
mas não respondi desatento
e a deixei a chorar.
.
Longo tempo se passou 
sem ela eu muito vivi
fez falta e dela restou
o pouco que eu mostro aqui.

Tita - revisto em 11/08/2010

foto: alma ponto de luz
Leonardo Valverde: http://www.leonardovalverde.com

domingo, 8 de agosto de 2010

Colheita de luzes

O que eu fiz durante este tempo?
Colhi luzes. 
Foi isto.
Com elas iluminei meu caminho; esquentaram-me nas noites de frio e através delas tive momentos de leitura e de anotações de pensamentos.
Colhi luzes.
Clarearam salas e corredores por onde passei e através delas pude ver expressões nos rostos,  mensagens nos semblantes.
Colhi luzes.
Foi isto.
Com elas vesti-me de energia e de vida.
Fiz-me clara e pus-me a brilhar.

Tita -  07/08/2010
foto: luzes - V.M.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

In-vivido


                             
Garoínha fina. Caminho apressada no frio da noite. 
Passos compassados, não posso parar, 
a vida corre, o vento me impulsiona.
Aqui vim para estar sempre em busca, 
viver o in-vivido, a cada curva. 
Novas pessoas, sabores diferentes, 
paisagens nunca vistas, novos sons.
Mesmo o que repito é i-repetido e,
o ja acontecido,  impulsiona-me para o que ainda não veio.
Ocorre que talvez, eu ainda não tenha chegado...
Provavelmente devo chegar quando for a hora 
mas enquanto não chego,  alimento-me de nuances.
Boa a sensação do não ter chegado ainda.
Na verdade não quero chegar
permanecerei in-chegada e simplesmente in-concluirei.
não há sabor melhor do que o da in-finda busca.
Tita - 03/08/2010
foto: olhares - A favor do vento: Jeferson Müller Timm

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Nacos

ELE
Era do tipo que fazia os sentimentos se movimentarem, de uma maneira que ninguém conseguiria igual.
Percebia o real dentro de cada pessoa e, mergulhando na alma alheia, trazia à tona o que teimava em ficar recluso.
Ele, e só ele, percebeu a fragilidade da minha essência.
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CORAÇÃO
Sinto que tenho coração, fisicamente. O músculo a se mexer.
Sinto o meu coração e é aflitivo.
Nunca senti que tenho baço, ou estômago, ou pulmão...
Mas o coração, sinto.
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CORES
Ando no mundo prestando atenção em cores. Há tantas nuances e diferenças...muitas cores de que não sei o nome.
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HERANÇA
Sou a herança dos meus ancestrais e dos que me são mais próximos. Ao formarem-se minhas potencialidades, no útero, vieram a mim os medos, desejos e realizações dos que me precederam.

BARULHO
Difícil escrever os sons dos barulhos. Como descrever, no papel, os barulhos?
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Tita - 29/07/2010

domingo, 25 de julho de 2010

Alma


Se puderes, passa por aqui.
Não quero ver-te...
Mas que tua e minha alma comunguem,
só para que eu me lembre que
sim, é possível!

Tita 25/07/2010
foto: "El Alma del Ebro" sculpture by Artist Jaume Plensa @ Expo Zaragoza. ( Spain, 2008 ) - Paulo Brandão
http://www.flickr.com/photos/paulobrandao/2788050844/

Rimando

Sentada ao relento, rebento
Sonhando o impossível, passível
Lembrando o passado, ilhado
Querendo retornar, voltar?

No fundo de seu peito, eleito
Bem lá dentro sabia, sofria
Que o futuro não lhe reservava, negava
A repetição da alegria, queria?

De tanto esperar, pensar
Já desanimada, cansada
Não mais acreditava, cismava
Que um dia chegaria, viria?

Melhor abandonar-se, largar
E a sonhar ficar, continuar
Fingindo não saber, esquecer
Se de solidão viveria, saberia?

Mas que dor, que dor sentia, sabia
Ao pensar que poderia, um dia
Ter a certeza, tristeza
De que não mais o teria.

Tita - 25/07/2010

sábado, 24 de julho de 2010

Sei e não sei

Tenho estado em silencio de mim.
Falta de algo que me mova criativamente, cansaço de inventar, vontade de calar, muito trabalho?
Não sei, mas sei que gosto deste espaço e não o deixarei.
Gosto das visitas que me lêem e que me incentivam a escrever mais e sempre e mais.
É só me organizar um pouco com o trabalho extra que agora me tomará os fins de semana e as horas vagas e então não faltará o momento de escrever aqui nem que seja assim, num sopro, num momento, num bafo,numa invenção de alegria ou ilusão, ou tristeza, num desabafo.
Sem meu lado criativo me incompleto e viro um simples objeto.
Tita - 24/07/2010

terça-feira, 20 de julho de 2010

Trauma

Era difícil dizer.
Especialmente aquilo que martelava dentro de seus pensamentos, dia após dia.
Coisa pequena!
A ele parecia que as pequenas coisas eram as que mais machucavam.
Sempre havia essa dúvida. Valeria a pena falar coisas tão pequenas?
Porém aquela, não seria melhor falar já que o incomodava tanto, especialmente aquela?
Pensava em alguma maneira de dizer. Qual seria a melhor forma?
Pensou nos bons momentos que acompanhavam sua vida e nos seus momentos de solidão. Não, não eram poucos...Seriam mais leves não fosse aquilo, especialmente aquela coisa, que o incomodava tanto.
Decidiu-se.
Nada como falar o que lhe ia na alma, nada como livrar-se de todos os fantasmas, fossem grandes, pequenos ou mesmo minúsculos. 
Falaria. 
Deixaria que as palavras jorrassem.
Não precisava planejar. Bastava dizer, sem pensar muito. Afinal, uma coisa tão insignificante...
E então, disse. Falou o que precisava ser dito e repetiu aquilo que mais o machucava.
Quando se calou, olhos vazios o olhavam. 
Rostos inexpressivos, mudos.
Pasmo, deu as costas e retomou seu caminho.
Atrás de si, silencio.


Tita
20/07/2010

domingo, 18 de julho de 2010

Sem volta

É muito pequena a distancia entre a confiança e o nunca mais. 
Entre a entrega livre e o evitar. 
Entre a crença e o temor.
É muito pequena.
O que vai não tem a volta do acreditar sem barreiras, 
do confiar sem limites, 
do olhar que só vê a pureza na retidão.
Percorrem-se caminhos sinuosos. 
Há barreiras e percalços em todos os caminhos.
Estamos sós.
Irremediavelmente apartados e sós.

Tita - 18/07/2010

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Artimanha

Não importa.
Se causou tristeza, se estranhei, se não era o que eu esperava, não importa.
A musica continua a tocar, as pessoas conversam, a vida corre, a noite apenas começa.
Há mil coisas a fazer, a bagunça tem de ser arrumada, os momentos hão de se suceder.
Não importa o soluço preso que teima em não se soltar.
Não importa a ânsia de inexistir e a decepção.
Não importa.
Afinal, amanhã é sexta-feira, depois vem o sábado...
quem sabe haverá sol?
Tita - 15/07/2010

Tudo a ver
"morre-se nada
quando chega a vez

é só um solavanco 
na estrada por onde já não vamos

morre-se tudo
quando não é o justo momento

e não é nunca
esse momento"
Mia Couto em - Raiz de Orvalho e Outros Poemas - Horário do Fim.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Não mais

Não sei quando foi que meu coração expeliu o sentimento que o abrigava como se abrigasse uma jóia rara.
Olhei seu rosto e o vi com outros olhos, aqueles que nunca usara para olhá-lo.
Escutei o que dizia de uma forma tão diferente do que sempre ouvira, que pensei ter trocado de ouvidos.
Encostei-me a ele para sentir sua pele e comprovei, não era tão macia como a sentira tantas vezes...ou seria a minha pele que se modificara ao ponto de sentir a dele tão diferente?
Abracei-o querendo novamente apossar-me de seu perfume que me inebriava mas não o encontrei atrás das orelhas.
Beijei sua boca e, incrédula, beijei ainda e mais uma vez. 
Então afastei qualquer resquício de incerteza.
A presença dele se fora e nada mais havia, em mim, que pudesse ser seu.
Não era mais ele e nem era mais eu.

Tita, 14 de julho de 2010
foto: THE END - aftab
http://www.flickr.com/photos/aftab/4791957173/

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Duo

Estou onde não me sinto.
Se me dou já não me tenho.
Se estou só quero estar par,
se estou par sinto-me ímpar.
Se procuro não me encontro,
se me entrego não me acho.
Se me expresso, foge o corpo,
se não falo, me engasgo,
se não penso falo errado
e se penso muda fico.
Então canto e não me escuto
Então grito e não me calo
Então calo e muda estou

Tita em 22/11/06

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Tempestade na areia

Como um tufão, revirou o que era tranquilo, cobriu o que era claro, chacoalhou as crenças, modificou a ordem, abalou as estruturas.
Deixou camada de detritos, fixa e indelével.
Incapaz de vasculhar os cantos, reformar os móveis e recriar o belo que ali vivera, segurou o grito.
Recapitulou momentos em que rodopiara leve e, procurando não extravasar a fúria pelo acontecido, olhou o estrago pela ultima vez.
Tomada de mágoa saiu e fechou a porta, tendo a certeza de que naquela casa branca e pequena nunca mais poria os pés.


Tita - 08/07/2010
foto: André França
http://www.andrefranca.com/places/placestobealone2.html

terça-feira, 6 de julho de 2010

Sem bagagem

Quando chegar
não traga bagagem,
diga que nada tem, 
que perdeu na viagem.
Quando vier, 
esqueça os pesares,
vasculhe os restos,
ocupe os lugares.
Com passo firme
tome os espaços,
apenas sorria 
e abra os braços.

Tita 15/06/2010

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Pequenez


Era desses que transmite acanhamento e estreiteza. Por onde passasse deixava apenas a brevidade da passagem.
Não que fosse dos que se apequenam por si mesmos. Não. Procurava agigantar-se, mas só o que conseguia era tornar-se entroncado, intumescido e grosso. Lutava em vão por dilatar-se, mas a impressão que transparencia era infalivelmente a da míngua, da escassez.
Chamavam-no Nano, nome que detestava e, apenas de longe em longíssimo referiam-se a ele nos grupos a que ansiava por pertencer.
Nunca conseguiu transcender seus parcos limites.
Nunca conseguiu achar, em sua essência, o que pudesse distingui-lo.
Cansado, desistiu da luta e apequenou-se ainda mais. Contraiu-se, atrofiou-se, minimizou-se.
Tornou-se grão, pingo, ponto, molécula.
Esvaziou-se, 
sumiu.
Tita – 01/07/2010
foto: ponto de convergência - Jony Cunha
http://www.flickr.com/photos/jonycunha/4022906268

Tudo a ver
MEU DICIONÁRIO ANALÓGICO CHEGOU!!!!
Tita  

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Tão


Nós tão diferentes
e, num momento, 
tão iguais.

Correndo atrás dos beijos na rua,
roubando carinhos nas entrelinhas,
surrupiando abraços 
em momentos esparsos,
nos apaixonando tão sofrido!

Tão longínquos e tão perto,
nos podendo em tão poucos,
e tão pequenos momentos!
Nunca o suficiente,
sempre menos,
nunca mais.

Você e eu.
Eu sempre,

tão cá
e você sempre, 
tão lá!

Tita - revisto em 28/06/2010


Tudo a ver
"Corria a certeza que, se quisesse mesmo chegar lá, você dava um jeito e acabava chegando. Só uma coisa era fundamental (e dificilima): acreditar."
Caio Fernando Abreu em "Uma história de fadas" - Pquenas Epifanias 

foto: Não te esqueças de mim: Jorge
http://br.olhares.com/nao_te_esquecas_de_mim_foto3596340.html

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Neblina

Muito difícil explicar, mas tentava.
Procurava usar metáforas, que eram interpretadas por cada um de maneira diferente, repetia, queria que todos compreendessem.
Como fazer entender?
Como dizer da sensação que sentia quando percebia haver um véu, uma poeira, uma nuvem, uma neblina, entre ela e o mundo?
Como explicar o sentir-se apartada de todos os acontecimentos, sendo só alma a perambular no espaço real?
E a sensação do sem corpo, sem respiração, sem sensibilidade, o enxergar de todas as coisas encobertas por um escudo transparente?
Ainda pior: o constatar do não pertencer. A certeza do estar banida. A terrível sensação da solidão que esta situação lhe causava.
Ver a todos e não ser.
Estar ao lado e vagar, em outra dimensão.
Dizer e não se fazer compreender.
Perder as formas do corpo, a lucidez da mente, sentindo por todos os poros um único desejo: 
fechar os olhos e se deixar levar.

Tita revisto em 24/06/2010

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Incongruência

Fiz tudo o que podia.
Tem certeza? 
Absoluta. Fui companheiro, fui simpático, estive ali à sua disposição.
E quem disse que eu queria que você ficasse à minha disposição? 
Não cobrei nada, não me impus em nada, não pedi nada, não exigi nada .
De onde você tirou que era isso que eu queria? 
Eu sei o que Eu quero.
E como vou saber o que você quer se você não diz? 
Você poderia ter prestado atenção.
Prestar atenção no que se tudo o que você demonstrou foi que nada fazia diferença, que qualquer coisa que eu fizesse seria aceita? 
Mas eu falei que não gostei.
Falou no fim, despejando tudo o que deveria ter falado antes.
Mas a culpa é sua, você deveria ter visto, ter reparado em todo o meu esforço.
Você se esforçou? Não demonstrou esforço nenhum. Mostrou apenas passividade, falta de energia, pouco interesse.
E o que você queria?
Queria que você se desse a conhecer ao longo do caminho e que não me deixasse sozinha a traçar as rotas. Queria companheirismo, confiança e sinceridade. E queria sentir que era necessária.
Eu estou com a minha consciência tranquila. Fiz tudo o que podia.
Tem certeza? 
Absoluta.
Então tá! 

Tita - 21/06/2010