domingo, 28 de fevereiro de 2010

José Mindlin - Saudade

Faço as coisas com seriedade sem, no entanto, me levar a sério demais.
José Mindlin

uma pessoa inesquecível,
uma vida vivida em toda a sua plenitude.
28/02/2010

Sempre

Ao final da festa voltou para casa sozinha, como sempre.
Teve dificuldade para achar a chave de casa na bolsa porque não quis acender a  luz do hall. Depois de algum tempo achou a chave e abriu a porta.
Casa escura, como sempre.
Acendeu a luz da sala, como sempre, e caminhou até o quarto.
Sentiu sede. Voltou até a cozinha, encheu um copo com água e tomou quase de um gole só. Como sempre, bebia rápido.
Tirou a maquilagem escovou os dentes, colocou a camisola, como sempre.
Deitou-se e ligou o som. Musica boa tocando. Acertou o timer, musica para dormir, despertador para acordar, como sempre.
Quem sabe leria um pouco, como sempre?
Não, não tinha vontade de ler.
Preferiu apagar a luz, fechar os olhos e deixar a mente viajar ao sabor da musica.
Lembrou-se do que havia feito durante o dia, as coisas de sempre.
Lembrou-se de acontecidos longínquos que já não faziam parte do seu mundo: pessoas, lugares, sons e odores.
Sons e odores acompanhavam sua vida, como sempre.
Quem sabe no dia seguinte, domingo, caminharia no parque?
Poderia também ler preguiçosamente o jornal, como sempre.
As noticias seriam as de sempre mas, como sempre, acreditava que encontraria alguma noticia diferente.
Nunca perdia a esperança.
Talvez por isto, adormeceu feliz e tranqüila, como sempre, acreditando que o dia seguinte seria diferente de sempre.

Tita - revisto em 28/02/2010
Tudo a ver
"Acabei perdendo o medo do medo e aceitando que a vida tem uma porcentagem de escuridão com a qual precisamos aprender a conviver"
Rosa Montero em "A Louca da Casa"

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Filme

Meu olhos nos seus e mergulho, profundamente.
Interessante estar dentro de você.
Aproveito um fluxo sanguineo e o percorro todo. Da cabeça aos pés.
Navego nas suas veias e posso sentir o pulsar do seu coração. Quero ver o que há lá dentro.
Então é disso que o seu coração é feito! Dessa massa viscosa e escura? Sujo minhas mãos procurando sentir os batimentos, apalpo suas veias, mas logo mudo de rumo.
O que quero é entrar na sua cabeça. Impossível! Luto, grito, brigo, não tenho forças. Seu pensamento me empurra, muito mais forte do que eu.
Pelo resto do seu corpo não quero mais navegar.
Quero a sua cabeça, que você não mostra nem dá.
Fico a imaginar os seus meandros, suas conexões e seus caminhos mentais.
E mantenho-me interessada, assistindo a você, como a um filme.

Tita - revisto em 24/02/2010

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Resumo

Dançaram e riram como dois amigos,
enlevados beijaram-se, como namorados,
amaram-se com força, como apaixonados,
dormiram juntos, como casados antigos,
então afastaram-se, como separados,
e não mais se falaram, como divorciados.

Tita 21/02/2010

El amor nuevo (detalhe) Jorge Gay - Mausoleo de los amantes - Teruel - Espanha 
http://www.flickr.com/photos/11979564@N00/4355180157/
foto: Kelkian

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Cê ia gostá daqui.
Cê acha?
Eu acho.
Por que cê acha que eu ia gostá?
Sei lá, cê tem um jeito...uma coisa...eu acho que cê ia gostá.
Vai vê...
Num ia?
Sei não, eu num tenho só um jeito, eu tenho muitos jeito, eu fico bem em tantos lugar, num te falei que ja morei na roça?
Ta vendo? Combina!.........Cê vinha?
Pr'onde?
Pra cá?
Sei não. Eu sô de cidade, assim entremeada de calmaria, sabe como? Preciso das duas coisa.
Cê é assim, sem parada?
É, acho que sô sem parada...
Sei não, eu acho que cê ia gostá.
Vai ver ia...mas aonde que ia arrumá novidade?
Que novidade? Num tava bom eu?
Ocê tava bom, oh se tava! Mas a vida num podia sê só ocê.
Por que?
Porque tem de tê otras coisa, sei lá, deixa eu lá mesmo.
Num to gostando disso. Cê tinha que querê só eu.
Quero só ocê.
Sei não!
Quero sim, só ocê.
Quisesse só eu, cê vinha.
Sei não.
Num vinha?
P'ronde?
Cê num tá prestando atenção!
Distraí, tava olhando alí...
Ta vendo? Ta vendo como cê é?
Que foi?
Prestatenção! Cê ia gostá daqui!
Cê acha?
Eu acho.
Ei, isso tá se repetindo! Vam pará?
Sei não!

Tita 20/02/2010

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Amiga
















foto: Together - Orley Antonaglia
upload feito originalmente por Vanorley - http://www.flickr.com/people/47472063@N05/

Tinha um riso alegre e fácil.
Costumava enrolar nos dedos uma mecha de cabelos, sempre que queria concentrar-se.
A primeira vez que a vi limpava as lentes de uma máquina fotográfica e falava sobre como se sentia bem por ter modificado seu estilo de vida. Parecia-me forte, decidida.
Juntas, desbravamos acontecimentos que nunca havíamos presenciado.
Consolamo-nos muitas vezes em meio às conseqüências do caminho que havíamos escolhido.
Crescemos, ela e eu, cada uma em seu pequeno mundo, e nos tornamos adultas.
Ela, antes de mim, percebeu a inconsistência da vida que estávamos procurando construir e voltou, antes que eu voltasse.
Hoje nos vemos muito pouco.
Não precisamos tanto uma da outra, agora que somos felizes.
Tita – revisto em 19/02/2010

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Casinha branca


foto: Casinha branca
Upload feito originalmente por eduhhz -
Eduardo Hanazaki
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Falta muito? Tenho medo de cair...Posso abrir os olhos?
Fique perto de mim. Falta pouco. Não abra não!
Ficou pertinho, segurando o braço dele.
Hum...que cheiroso!!!!
Ele riu, segurou-a pelo ombro. Isso, fica pertinho, fica.
Muito cheiroso!
Pronto, pode olhar agora.
Ela abriu os olhos. Ficou sem ar por um momento, um arrepio suave percorrendo o corpo e então, mesmo sabendo a resposta, perguntou emocionada, bem baixinho:
De quem é esta casinha?
É minha.
Estou achando linda, branquinha... Tão tão linda...
Eu sabia que você ia gostar.
Me leva lá dentro?
Levou-a abraçada como ela gostava de ir.
Você vai me trazer sempre aqui? (Uma lágrima de emoção escorrendo pelo rosto)
Sempre que você vier me visitar.
Eu venho visitar você, sempre!
Guarujá, 14/02/2010

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Recesso

Blog entra em recesso.

Blogueira recarrega energias no mar e informa

que voltará ao

final da quarta-feira de cinzas,

SEM CINZAS!

Tita

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Cozy

Hoje gosto do azulzinho, deste aqui.
Já me cansei da repetição do vermelho!
Por que não fazer de 2010 um ano colorido?
I walk along the boundaries of my own head but I never reach the edges.
Talvez eu nunca ousasse os roxos berrantes ou os verdes limão, talvez.
I just see them through the borders, e nunca entendo como posso sempre chegar tão perto dos perigos e do precipício do qual, bem sei, nunca me atirarei.
And so I stay and stare, keeping my eyes on the distance, imagining how it  would be to be there, on the other side of it all.
Como seria ultrapassar as fronteiras?
Would I ever release my mind to the point of getting there? 
Would I?
Fico aqui, no azul.
Pacifico, aconchegante,
So cozy!
So, so cozy! 

Tita -São Paulo, 10 de fevereiro de 2010
Tudo a ver
Meu vício
é vitalício: comer a Vida
deitando-a entontecida
sobre o linho do idioma.
Neste leito transverso
dispo-a com um só verso

Até chegar ao fim da voz.
Até ser um corpo sem foz.
Mia Couto em "biografia" - Idades, cidades, divindades

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

O que eu queria mesmo era entender silêncios e ter a capacidade de intuir porquês.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Fragmentos





ilustração:
fragmento 3 -
Upload feito
por
maricotices-Marina Faria




Eu? Eu inventei que existia uma vacina chamada anti-ven? Eu?
Diz ela que falei para alguém que era uma vacina especial para espantar borrachudos. Não, não me lembro mesmo! Preciso recuperar meu passado, urgente, sem-fal-ta-cor-ren-do! 
Encontro amiga de há tempos, conta de mim coisas de que não me lembro, conta outras que me matam de rir, que-de-li-cia-lem-brar do passado assim.
Somos nós mesmas aquelas que éramos? 
Relembramos uma festa que demos no Guarujá, casa alugada, a água acabou e fomos tomar banho em uma fonte. Lembro-me de carregar garrafas para encher de água e de entupirmos a casa de velas, nem me lembro se havia de comer e de beber ou quem convidamos para a festa. Não-me-lem-bro-mais! 
Uma vez fomos para Ubatuba, chegamos sem hospedagem e hospedagem não encontramos, entramos em um hotel em construção, imploramos para o vigia e ele nos deixou ficar, que coisa maluca, que mundo diferente, ocupamos montes de quartos, tomávamos banho em uma piscina e dormíamos em semi-quartos inacabados ai-co-mo-nos-di-ver-tí-a-mos! 
Acho que foi dessa vez que voltei dirigindo a kombi cheia de gente, kombi que de tão velha tinha um buraco no assoalho e dava pra ver o chão. Todos dormiram, a estrada imersa em neblina e só o irmão da amiga, amigão que nunca mais vi, ficou ao meu lado ajudando-me a seguir o rastro da estrada. O resto nem se preocupava, que folga, alheios ao perigo que passavam! 
Houve um aniversario meu em que amanhecemos na Praça da Republica, depois o monte de meninas dormindo na minha casa e de noite a turma toda jantando no Guarujá e chegando de volta para a escola cedo no dia seguinte. Ou não foi tudo isso em um dia só e cada coisa aconteceu em um dia diferente? 
A vida era cheia de viagens nos fins de semana, preguiça zero, co-mo-foi-que-is-so-se-a-ca-bou? 
Fui-me embora para Londres e voltando depois de dois anos nada mais se encaixou, eu me desencaixei e desencaixada um bom tempo fiquei, outros amigos, outro tipo de vida, nem sei! 
Agora somos todos encaixados porque o mundo virou uma coisa só, sabe como é, glo-ba-li-za-do e nenhuma viagem ou período longo fora nos tiraria do eixo. 
Pensando bem...pensando bem.... 
A verdade é que (não contem para ninguém)...O segredo é que vira e mexe constato que saio do eixo e, devo confessar, são esses os momentos de que mais gosto porque são os momentos do inesperado, de viver o desconhecido, o novo, o i-nu-si-ta-do! Ai como gosto do inusitado!
O inusitado é o que nos move, nos dá novas esperanças, nos dá alento, nos rejuvenesce, nos faz melhores.
Procuro alguém para viver o inusitado comigo.Vamos lá amiga viver o inusitado de novo?
Tita - São Paulo,  08 de fevereiro de 2010

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Carros











Lembrando tempos idos falou dele, emocionada. 
"Você se lembra? (disse com seu sorriso alegre)"
Ele chegava de carro, buzinava na frente da casa e a mãe dizia:
"Menina! Aonde já se viu homem buzinar e você sair? Tem de descer do carro, tem de tocar a campainha, tem de abrir a porta para você.
Ah mãe! Tem dó! Ele buzina, eu vou!
Mas eu nem sei o sobrenome dele.
Eu sei mãe, não se preocupa!"
E lá ia ela correndo para a buzina enquanto ouvia a mãe reclamando e reclamando.
Mustang amarelo, saía cantando pneu. Risadas, jantar e depois dançar muito, até o dia clarear.
Uma vez no Guarujá, entraram no mar de roupa e tudo.O carro parado na beira da praia, o toca-fitas com o som no máximo e os dois no mar, beijando e rindo, o dia amanhecendo, inesquecível!! (neste ponto ela suspira e olha o céu, mas logo se recupera).
E lá ia o Mustang amarelo subindo a serra, passeando no domingo à tarde, parando na lanchonete, buscando no trabalho e na escola e indo dançar.
Não sei como no dia seguinte agüentava acordar cedo. Mas acordava.
Sempre foi essa mistura de responsabilidade-irresponsável que fazia tudo dar certo no final.
"Como pode dançar até de manhã? Como agüenta? Você vai ficar doente.
Não vou mãe. Não se preocupa."
Nunca ficou doente. E nem se lembra por que foi ou quando foi que o Mustang amarelo deixou de buzinar na porta da casa.
Eu arrisco e falo baixinho: "talvez tenha sido quando o Alfa Romeo azul marinho começou a buzinar...?"

Tita - revisto em 7/02/2010
foto: Mustang rim detail: Galeria de atomicshark 

Tequila!


foto: Tequila - upload feito originalmente por Andreas Reinhold

Tequila?

A palavra fazia com que se lembrasse daquela noite em que ela bebera além da conta.
Sumira.
Ele a procurara por toda a parte até encontrá-la chorando, abraçada à garrafa vazia, na escada de incêndio.
Nunca entendeu porque bebera tanto e não sabia o que havia dito que desencadeara o que se havia seguido: ela olhara para ele com uma tristeza enorme no olhar. O olhar mais triste que já havia visto partindo de seus olhos. Virara as costas, trancara-se no quarto não abrindo a porta ante nenhum apelo. Após algum tempo saíra do quarto, passara por ele como se não o visse e se fora.
Perdido, não sabia como encontrá-la. Tentou o celular, desligado; Telefonou para as amigas, nenhuma a vira; saiu a procurar pelos bares que costumavam freqüentar, sem sucesso.
Voltou para casa angustiado, sentindo-se encurralado e, ansioso, esperou.
Quando o dia amanheceu, procurou novamente pela vizinhança, coração aos saltos. Ao voltar, encontrou-a, em estado lastimável.
Abraçou-a, secou suas lágrimas, amparou-a e a levou para dentro.
Deu-lhe um banho, lavou seus cabelos, secou seu corpo carinhosamente e a abraçou. Queria demonstrar o quanto a amava e o quanto sentia por tê-la magoado, mesmo sem saber o porque.
Não trocaram nem uma palavra. Ele nada disse e nada perguntou. Ela calou e abandonou-se ao seu cuidado.
Deitou-se ao lado dela, abraçou-a até que dormisse e teve a certeza de que faria sempre todo o possível para não magoá-la, aceitando-a exatamente como era.
Nunca soube o que acontecera e nunca perguntou.
Tita - Revisto em 7/02/2010

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Tempo de loucuras


Expansion - Katarina 2353


É tempo de inconsequências,
de se entregar a arroubos,
de não frear demências.
Hora de não planejar,
não pesar contras e prós,
tempo de desfazer nós.
.

Tempo de não ter horários,
eliminar as senhas,
mudar itinerários.
.
Hora de abrir o cofre,
quebrar as fechaduras,
rasgar tratos e escrituras,
eliminar tradições,
esquecer mandamentos
e abrir os portões.
.
Momento de inventar sons,
desrespeitar a clave,
embaralhar os tons.
.
É tempo de loucuras,
de jogar fora chaves,
dar-se a aventuras,
derrubar portas,
tirar as grades,
abrir comportas
e não fazer juras.


É momento de abolir os pontos,
inventar contos,
beber e ficar tontos,
deixar rolar,
fazer o que der na telha
e talvez se entregar.


Tempo de riso e leveza,
de corpo sem peso ,
de tudo ter pureza.
.
Hora de mandar beijos,
trocar sussurros,
atiçar ensejos.


.É tempo do coração,
de tesão,
de abraço e de beijo,
de soltar o desejo,
e de se dar à paixão.
.

Tita - São Paulo, 03/02/201
Para o construtor de casinhas brancas

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Perdidos no vazio

Não sei para onde vão os sentimentos perdidos. Para onde vão aqueles que fizeram parte de nós de forma tão intensa que pensamos nunca seriam abandonados? Para onde vão os que protegíamos tanto e, destacados de nós ficam, num repente, sem lar? Será que se procuram, consolam-se, brincam entre si? Encontram seus pares, choram abraçados pelo sonho perdido? Ou vagam como espiritos em busca de novas vidas para habitar e ser sentidos novamente? Retornam os nossos para dentro de nós mesmos ou, sentidos uma vez, nunca mais os recuperaremos? Terão sido roubados, arrancados para sempre, sem dó? Aonde estão os que de mim se foram? Aonde?  

Tita - São Paulo 31/01/2010  
foto: revoada - Mariana Discacciati (flickr)