quinta-feira, 29 de abril de 2010

Branco e Luz

Sento-me diante dela, 
a folha em branco. 
Coloco as mãos no teclado e olho a tela,
aquela, 
em branco. 
Brilha o branco em luz e há uma certa vibração,
na luz do branco,
que procuro decifrar. 
Não sei se o que vibra é 
a luz do branco 
ou são meus olhos ao olhar a luz.
Não sei se o tremer vem de dentro 
ou de fora de mim. 
Penso que a realidade é sempre tão duvidosa 
e depende sempre de quem a vê 
e de como a vê. 
Talvez meus olhos tremam 
e outros não. 
Ou talvez seja a minha tela que,
de tão branca,
treme enquanto meus olhos se mantém estáticos. 
Escrevo e enquanto escrevo,
não acredito nas letras 
porque sei que hoje, 
o que treme são meus olhos, 
à procura de algo que preencha 
a luz e o branco da tela que, 
de tão branco,
convida a mergulhos e, 
de tão profundo,
leva-me em viagem ao dentro de mim que hoje, 
também, 
é branco e brilha e treme, 
como a tela.

Tita - São Paulo, 29 de maio de 2010


Tudo a ver
Quero dizer que escrevemos na escuridão, sem mapas, sem bússola, sem sinais reconhecíveis do caminho.
Escrever é flutuar no vazio.
Rosa Montero em  "A louca da casa" 

domingo, 25 de abril de 2010

Enquanto me desengasgo, coloco o desengasgado bonito de minha irmã Silvia.


Poeta Convidado - Silvia Ancona Lopez

Minha Morada

Minha morada é entre teus braços,
a cabeça encostada em teu peito, as coxas junto às tuas.
Fecho os olhos, ouço o bater do teu coração
e o mar me invade como no fim da tarde
as ondas amorosas se entregam para a areia.
Preciso habitar-te para me desfazer de mim,
flutuar no contato da tua pele aquecida,
sentir que um sorriso se esboça em minha boca
e minha testa se distende esquecida.
Preciso habitar-te para o silêncio preencher-me
e sentir-me serena, enfim.

Silvia, abril, 2010

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Engasgo

agl,agl,gln
o que?
ngl agl agl!
O que que é isso?
Argh! glp
Hem?
To engasgada!
Como engasgada?
Engasgada uai!
Mas quando a gente engasga a gente tosse e você não está tossindo.
Eu sei. Mas mesmo assim, estou engasgada.
EX-PLI-CA!
É que há tantas coisas sobre as quais eu queria escrever, mas não consigo.
E por que não consegue?
Deve ser porque engasgo.
ahhhhhh....
Pois é...
pois é...
Tita - Ilhéus, 22 de abril de 2010

domingo, 18 de abril de 2010

Citrino

Já há algum tempo tenho pedras que uso penduradas em pulseiras e correntes, outras que coloco sobre mesas, pedras coloridas, pedras com diferentes nomes, pedras, pedras, pedras!
Uma purifica, outra protege, outra ainda previne, esta acalma, aquela dá forças.
Não posso perder nenhuma e se alguma some, entro em parafuso. Tenho a que faz com que só pessoas de bom coração se aproximem de mim, a que me tira a ansiedade, a que aumenta a confiança em mim mesma. Uma outra equilibra meus chakras e há ainda a minha preferida, aquela que desperta paixões ou ao menos deveria.
Todas comprei ou ganhei da amiga querida, escultora, artista, designer de jóias, que estuda os cristais e as pedras, mergulha em cada uma delas e indica o que eu preciso, compra as correntes, prepara os encaixes e as argolas, mede a largura das pulseiras e dos anéis e explica-me tudo o que eu deveria saber há muito tempo. Como é que eu não sabia?
Eu acredito. Porque acredito que minha amiga sabe o que diz e sei que estuda com seriedade e afinco.
Por isto, semana passada encomendei a ela um anel de citrino. Estava faltando esta pedra no mix recomendado. Porém, quando estiver pronto, não vou usá-lo ao lado do anel de água marinha. Usarei um, ou outro.
Sei, porque me disse a amiga, que minha água marinha é das boas, e traz pessoas demais de boas para perto de mim e o citrino trar-me-á aquilo que falta.
Acontece que  não estou me lembrando agora o que é que falta. O que é mesmo que falta? Seja lá o que for, falta.
Então usarei hora a água marinha, hora o citrino, e nada mais faltará!

Tita, 18 de abril de 2010

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Dreno

Está bem, concordo, eu sou sui generis. 
Porém, tenho amigas que o são muito mais do que eu.
Hoje comentando, entre copos de cerveja, minha postagem "gorda", minha amiga Claudia sugeriu um buraco, aonde seria colocado um tipo de dreno e, a cada coisa nova que entrasse na minha cabeça,sairia alguma antiga, drenada para fora de mim.
Em primeiro lugar fiquei cismando aonde colocar o dreno: abaixo? acima? ao lado? Saindo da orelha?
Depois fiquei pensando: será que eu quero que saiam de mim minhas coisas antigas? São as minhas coisas! E a quem caberia a seleção do que sair e do que conservar?
Que terrível seria perder pedaços sem que tivesse pesado a minha escolha.
Não!
Dreno não coloco.
Como não tenho idéia melhor continuo com ela, a minha cabeça, exatamente como ela é: gorda e disforme.
Tita - 16/04/2010 - mais um inicio de mais um dia

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Apologies

My apologies to Polina La Mer to have used her photo on the post "gorda" without having asked for permission. She is a great artist that you all would like to know.
Tita

Gorda

Sou daquelas que tem a cabeça gorda. 
Cheia demais. 
Cabeça cheia demais perde a forma, engorda, acho que pode até estourar. 
Penso muito, desço aos detalhes, teço hipóteses, desenho caminhos. 
De tanto salvar as possibilidades minha memória chegou ao limite, cabeça pesada, esqueço coisas importantes porque não há espaço para registrar e perco possibilidades de devaneios e novas projeções. 
Quando me olho no espelho constato: está gorda, torta, super lotada.
Não sei o que fazer. Penso que emagrecê-la seria jogar fora muito do que está acumulado, impossível deletar, apagar, excluir. Não há nada de que queira me desfazer e ainda há tantas conjecturas e tantas novidades a assimilar...
Fico com a cabeça assim mesmo, gorda e disforme.
Tita, 15 de abril de 2010, um dia que acaba de começar.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Soluços

Tenho escrito soluços. Mas não desses de chorar! Só soluços como repentes, desses que quando os bebês começam a tê-los e não param, a gente tira um fiapinho de roupa e cola no rostinho deles (sempre tão lisinho e macio!), acreditando que isso faria o soluço parar.
Meus soluços são frases soltas, começos de vontades de pensar em um assunto, inicios de criar alguma coisa que não vai adiante.
Perdem-se no eco, como aqueles barulhinhos de soluço que saem de dentro da garganta. Surgem rápidos e inesperados, e logo se vão. Está difícil torná-los mais frequentes, fazê-los transformarem-se em bocejos, ou sonecas, ou ainda em algum espasmo de alegria ou paz, quem sabe um sorriso enorme, um caso bem contado, uma boa prosa?
Continuo despejando meias frases, palavras soltas que não se unem umas às outras, pedaços e folhas de papel esparsos que largo pelas gavetas, pelos cadernos, pelos cantos de livros rabiscados.
Quem sabe em algum momento me acontece como acontecia com o ex-marido da amiga que não vejo ha tempos e que, quando começava a soluçar não parava mais e soluçava dias em seguida? Quem sabe se isto acontecesse eu conseguiria unir os pedaços e formar alguma coisa que soluço não fosse?
Enquanto isso vou aos tropeços, esperando que não dure muito esta fase do soluçar frases desconexas.
Alguma hora os dias deixarão de ser brancos e tornar-se-ão novamente cheios de cor.
Meu soluço sem duvida há de se transformar em um desenho colorido ou numa boa gargalhada!
Quem duvida?
Hic!

Tita - Aos doze dias do mês de abril de 2010, um ano que está passando depressa demais.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Alecrim

Gostava de regar o jardim no final da tarde, a minha avó. Então, o ar ficava com aquele cheiro de planta regada, que só antigamente se cheirava.
Durante o dia costurava, fazia tricô, um para cada neto, um para cada bisneto e quando pensava que ia acabar a fila, sempre nascia mais um.
Tinha o maior jeito para ensinar. Foi com ela que aprendi a tricotar, a costurar, e acima de tudo aprendi a paciência e a aceitação das coisas que não se pode mudar.
Quando eu ficava doente, sentava-se em uma poltrona no meu quarto e de lá não saía enquanto eu não melhorasse. Eu dormia, acordava, dormia de novo e lá estava ela, sorrindo para mim por sobre os óculos, as agulhas de tricô sempre debaixo do braço.
Gostava de cozinhar, a minha avó e como gostava de fritar bolinhos! Bolinho de legumes, bolinho de arroz, bolinho de queijo, bolinho de bolinho, sem nada dentro. Uma delicia os bolinhos, os risotos, as carnes temperadas. Foi com ela que aprendi a cozinhar e dela escutei, pela primeira, vez o nome dos temperos.
Tenho saudade dela. Tanta saudade!
Lembro-me sempre da sua presença velando meu mal estar, da sua presença tricotando, sorrindo, ou saindo da cozinha, colher de pau na mão, cheirando a alecrim.

Tita - revisto em 08/04/2010
foto: Santinha - casa possíveis - http://www.flickr.com/photos/yvone/3786404524/

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Palavra

Lembro-me de muitas, que marcaram o caminho e lá ficaram para que eu as seguisse sem me perder, caso um dia quisesse voltar.
Houve uma, bem longe na infância, que chocou a ponto de abrir feridas incicatrizáveis. Depois aquela, de que não gosto de lembrar; de tão forte a dor que causou, modificou meus sentimentos para sempre. Lembro-me da que veio ao som de musica e que encantou, enlevou e abriu a possibilidade de novas curvas. 
A que ouvi quando procurava modificar todo o meu ser não me atingiu; serviu apenas para incentivar-me a ir em frente. 
Não me esqueço da que veio como uma flecha, certeira; acredito que o objetivo era de que ficasse encravada em meu corpo para sempre. Ficou, por um tempo, impedindo todos os movimentos mas, como veio se foi, mostrando a possibilidade dos renascimentos. 
Houve uma com gosto de vinho, outra com gosto destilado e ainda outra, com sabor de ponto final. 
Saborosa a que veio com gosto de sal, palavra miúda e cheia de aconchego, que me traz alegria só de lembrar.
Porém há uma que tem-se repetido a cada dia e desta nunca me esqueço. Eu a acaricio e pronuncio em diferentes tons e sei que a manterei comigo com cuidado e a repetirei  sem fim porque esta sim, vem de dentro de mim.
Tita - revisto em 05 de abril de 2010 

Tudo a ver
"A palavra 
torna o poeta
pequeno e sem invenção.
...
Quando escreve "sangue"
o poeta sangra
e a única veia que lhe dói
é aquela que ele não sente."
Mia Couto - O Poeta - idades, cidades, divindades