sábado, 25 de dezembro de 2010

Desfolhando o manjericão



Na minha família temos tradições de natal a manter: a procissão das crianças carregando o menino Jesus (só é colocado no presépio na noite de natal), as velinhas acesas, todos cantando, as orações em conjunto e os abraços de feliz natal.
Depois, o papai Noel entrando pela janela com o saco de presentes para todos os menores de dez anos e então, muito importante, o macarrão com nozes e manjericão (não, não é um macarrão ao pesto, o molho é diferente e é quente). Ai como é bom!
Quando nos juntamos somos mais de noventa e todos esperam pelo macarrão. Coisas de família italiana...
Com o tempo minha mãe foi mudando a receita e por  isto, a cada ano, tomo nota novamente dos ingredientes, tarefa difícil, uma vez que nada é medido, tudo a olho e com diferenças de um ano para o outro, nunca entendi como é que se consegue sempre o mesmo resultado final. 
Ontem coube a mim desfolhar o manjericão (cinco maços!!). 
Munida de duas bacias sentei-me ao lado de minha mãe, você me ajuda? Sim! E, lado a lado, tiramos dos galhos cada folhinha que colocamos cuidadosamente em um pote. 
Enquanto trabalhávamos minha mãe lembrou-se da moça que trabalhava com ela e sabia fazer a festa toda como ninguém (nunca se soube como num repente virou a cabeça e começou a roubar as coisas da casa); da mesa farta; "sua avó não punha manteiga no macarrão, mas eu coloco"; de quando sorteávamos mais de sessenta presentes que minha mãe comprava ao longo do ano; pena não posso mais sair por ai comprando os presentes...; de minha avó esperando a procissão das crianças ao pé da árvore de natal, com minhas tias e minha mãe ao lado.
Ficamos as duas quietas, olhando o monte de folhinhas que crescia e então eu soube que ela também se lembrava da família toda reunida e que pensava em como seria este natal em que, no lugar da minha avó e das três tias, apenas ela estaria ao pé da árvore, esperando a procissão das crianças.
Suspiramos juntas, voltamos ao trabalho e conversamos sobre outros preparativos.
Na noite de ontem minha mãe não quis sentar-se ao lado do presépio. Ficou em pé na frente do sofá enquanto ao som de "os anjos todos os anjos", as crianças entraram em procissão. As orações foram feitas pelas primogenitas de cada uma das três famílias e em seguida eu disse "mãe, diga alguma coisa" e ela disse: "bom natal".
Abracei a todos enquanto pensava que estamos todos soltos dos galhos fortes que tão bem nos prendiam, mas sem duvida nos mantemos juntos, como as folhas que minha mãe de noventa anos e eu, colocamos dentro de um mesmo pote.
Tita - 25/12/2010

foto: manjericão
flickr: http://www.flickr.com/photos/yvone/3651827706/sizes/z/in/photostream/

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

O ultimo dia

Uma agitação está tomando conta de todos os cantos. Um se levanta, outro fala alto, movimentação no entra e sai da sala grande. Todo mundo está ficando alegre, alguém distribuindo chocolates, a chefe mandou, que bom, a chefe está com o espírito natalino incorporado, vai começar o amigo secreto, por que você não vai participar? Eu ia mas desisti, me sentindo por fora e agora estou achando que é tudo uma grande família, hehe que coisa engraçada, tem festa depois, deix'eu arrumar a mesa para não ficar bagunçada ai que bom só volto no fim de janeiro nossa, você vai ficar fora esse tempo todo? Eu vou, e você não vai tirar férias? Eu não mas tiro depois, mais para o meio do ano, por enquanto só esses dias obrigatórios. É, no meio do ano também é bom mas eu estou louca, louca por férias, tenho de ir, tenho de correr um pouco sem rumo, neste ano tive rumo demais.
Estou ficando tão e tão alegre mas que bom não vou usar mais relógio e amanhã fico na cama até a hora que der vontade, já vou subir para a festa, só quero acabar de escrever isso aqui. Melhor deixar um recado de que estarei fora no telefone será que não me esqueci de nada? Se precisarem de mim podem chamar, há coisas que são importantes mas nada vai precisar de mim, tenho certeza e vou aproveitar, um monte mas que pena já estou achando que é muito pouco tempo, neste momento me parece que preciso de tantas férias que não será nunca possível ter tanto quanto preciso, então vou ter só o que é possível eu volto, volto sim mas quero tudo diferente e cheio de pique e de garra e daquela vontade de que me lembro, lembro sim como era bom.
Já vou subir para a festa,"ta" todo mundo alegre, vamos lá o ano que vem vai ser um novo ano e vai dar tudo certo, vocês vão ver, eu vou ver, ai que bom seria, é preciso acreditar, e eu acredito porque sou dessas que sempre acredita, e luta, e quer.
Que coisa boa que vai ser!
Tita - 17/12/2010

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Buracos na parede

Sentavam-se todos na sala pequena, mil almofadas pelo chão. Temperatura agradável apesar do frio que se podia ver pela janela. Burburinho, conversas, algumas risadas, ela só escutando, não sabia o que dizer.
A máquina de projetar slides aguardando em um canto.
Vários fumantes, sala enfumaçada. Alguns reuniam-se em volta de uma mesa pequena e, com as pontas de seus cigarros faziam furos nos slides espalhados sem nenhuma ordem.
Ela pensava mas para que é que fazem isso?
Viu que ele pegava os cromos, alguns inteiros e outros furados e colocava no carretel. Preparava a luz, o foco projetado na parede e então, cena preparada, colocava uma musica, som bem alto (Pink Floyd, Leon Russel, David Bowie, Alice Cooper, Eric Clapton), pronto gente, vai começar!Todos alegres, movimento, tropeços, deitavam-se nas almofadas do chão e aí silencio.
A ela parecia que era tudo combinado. Imitou, deitou-se também, almofada macia.
A projeção começava e então o cigarro passava de mão em mão.
Ela, curiosa, pegou e, como os outros, puxou a fumaça bem forte, segurou na garganta, depois soltou. Agia como se fosse acostumada, disfarçando a apreensão, esperando ansiosa, para saber o que acontecia.
Sem querer desligou o pensamento, a musica invadiu seus ouvidos de um jeito estranho e os buracos nos slides passaram a fazer todo o sentido. Cada novo slide a fazia entrar mentalmente dentro da tela e percorrer caminhos que nunca havia percorrido, que buraco é este? Escutou palavras desconexas, alguém começou a dançar, pensou eu não que nunca vou me levantar e começar a dançar deste jeito mas depois foi como se estivesse sozinha naquela sala, não havia mais ninguém, só aquele buraco projetado na parede, levantou-se pensou eu vou lá, ver o que há além do buraco, eu quero ver e foi indo, foi indo, quando chegou não conseguia ultrapassar a parede, sai da frente, sai da frente, assustou, ficou sem graça, nossa, achei que estava sozinha desculpem, risadas, quando viu dançava também e logo não havia mais projeção e todos dançavam não se lembra quando pegou uma almofada e levou para um canto da sala, ajeitou-se assistindo a tudo como a um filme. Pensou que filme bom, mas não saberia contar o enredo.
Quando acordou já era dia, muita gente dormindo em almofadas, espalhados pela sala.
Pulou um a um, saiu da casa sem fazer barulho e foi andando para casa, o dia amanhecendo, frio e sono, sorriu:
agora eu sei como é.
Tita 10/12/2010

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Olhando de fora


Ela, cansada de dizer chega.
Ele, repetindo ainda não, ainda não.
Ela sabia que de nada adiantaria este prolongar das coisas mas ele insistiu, ela pensou vai que ele tem razão... E então, mesmo certa do não, disse sim.
Ele fez o que pode, ela bem percebeu. Porém o todo já tomara conta dos momentos presentes e se estenderia pelos que haveriam de vir, se houvessem.
Chegou o dia em que ele disse concordo chega e ela, num repente, não soube o que dizer.
Bem ela, pensou ele, que sempre soubera o uso correto das palavras certas, nas horas certas...de que adiantava saber as regras gramaticais agora?
Ela, muda, só pensou, tá danado, mas não falou.
Ele virou as costas e se foi, olhos secos, garganta seca.
Ela, coração aos saltos, lágrimas nos olhos, muda e estática, e agora? E agora?
Vazio.
Barulho de silencio.

Tita - 8/12/2010

foto: sem dizer adeus: Saulosisnando
http://www.flickr.com/photos/8775289@N06/5162214815/

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Pressa

Não é sempre que o tempo urge.
Mas hoje, urge!
.
O tempo urge, o tempo urge!
Urge do lado de fora,
na chuva com pingos grossos.
Urge no sol de que a pele tem saudade,
nas paisagens ainda a ver.
.
O tempo urge, ai como urge!
Urge nas caricias que esperam na curva da estrada,
nos beijos nunca beijados,
nas amizades que chamam,
nos abraços apertados.
.
O tempo urge, nossa como urge!
Urge nos mil livros que há para ler
nas histórias a escutar
nas idéias a colocar em prática
no largar o que não da prazer.
.
O tempo urge, urge!
Urge nas risadas a dar,
nos sorrisos que virão,
na emoção a transbordar,
no carinho inesperado,
no urgir da paixão.
.
O tempo urge!
No abrir das janelas,
No tomar das frentes,
Na derrubada das fronteiras,
E no abrir das mentes.
.
O tempo chama
O tempo reclama
O tempo agita,
O tempo incita.
.
O tempo urge, o tempo urge!

Tita 03/12/2010

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Você sabia?


Nada melhor do que o fato de sair fora da situação opressiva e ganhar o mundo?
Depois carregá-lo, como a um presente, com cuidado...
Não se pode esbarrar nem derrubar!
O mundo quebra, assim como vidro, em mil pedacinhos...
Você sabia?
Eu aprendi.
Então, tome tento!
Ande devagar e com cuidado, olhe bem por onde passa, com quem anda, o que faz.
Fale baixo.
Além de ser frágil, o mundo se assusta.
Melhor alimentá-lo com bons "pensamentos, palavras e obras".
E deixe-o dormir quando tiver sono.
Fica irritadíssimo quando cansado.
Nessas ocasiões ataca o que aparecer pela frente.
Uma vez eu o vi chutar o sol em direção à lua.
Fez-se noite fora de hora e formou-se uma tempestade horrível.
Houve um estrondo e o mar invadiu as cidades devorando casas, animais e plantações.
Portanto, cuidado.
O mundo se revolta facilmente.
Você sabia?
Eu aprendi.

Tita - 01/12/2010
foto: bola de vidro - Fábio Pusch