domingo, 18 de dezembro de 2011

Tenue refugio


Como se fugir adiantasse,
abster-se amainasse a dor,
correr tornasse a chegada mais próxima
ou emudecer paralisasse o decorrer dos fatos,
parou
e,
como se frear abrandasse sentimentos,
fincou raízes,
fossilizou-se,
impenetrável.

Tita - 18/12/2011

Tudo a ver
"quando você abandona os delírios criativos, as fatasmagorias da imaginação, a realidade fica insuportável"
Julio Ramón Ribeyro em "diários"

sábado, 10 de dezembro de 2011

unhas

Descuidadas as unhas. Precisavam de corte, de lixa, de beleza esculpida.
Decidiu que cuidaria disto mas não fez movimento algum.
Lembrou-se de unhas acariciando a pele levemente, como borboletas.
Arrepiiiooo...
Era quando havia sol e borboletas coloriam o caminhar e, o simples viver em estado de transe causava, por si só, o arrepio.
Como asas de borboletas que um dia haviam roçado o rosto, o corpo, o dia.
Como movimento do corpo que roçava o ar.
Tita 10/12/2011

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Argh!!!


Tomamos tequila,e conversamos bastante
Ah!
Fiquei contente. Ando contente...
Sei.
Tenho achado graça nas coisas, assim, do nada. Sabe como?
Sei.
Ai, que chato, você não fala nada!
Uai, não estou falando?
Falando como se não falasse.
Nossa, como você é difícil!
Não acredito! Eu sou difícil?
Esquece, vai!
Mas esquecer o que?
Vai tomar sake, vai.
Sake?
argh!

Tita - 07/10/2011

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Ambiguo


Sou duas, não uma.
No dia não caibo,
vida unica não vivo,
repetir-me não sei.
Sou verão e inverno,
céu e inferno.
Feita de soma,
por me dividir.

Tita 20/09/2011

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Desvanecer

Não sei o que me fez
parar de tecer o tempo.
Sei que,
a vê-lo passar,
não o teço
e aos poucos,
sem tece-lo,
esmoreço.

Tita - 08/08/2011

terça-feira, 19 de julho de 2011

Regime

Escrever, escrever.
Isso. Escreva
Não dá
Por que?
Sem assunto
E precisa assunto para escrever?
Mas se não for um assunto, escreve-se sobre o que?
Uma coisa, por exemplo...
Uma coisa?
É, escreva, por exemplo, sobre uma palavra
Difícil. Que palavra?
Por exemplo: escreva sobre a palavra regime
Escrever sobre regime?
É. Regime.
E o que eu escreveria? Eu poderia escrever que seria bom fazer regime de você.
De mim? Como assim?
Ah como é bom fazer regime de pessoas. Regime de ver pessoas e escutar pessoas que ficam insistindo para que façamos coisas que são difíceis de se fazer naquele momento.
Vou fazer regime de você. Porque você insiste para que eu escreva, porque você fica aí repetindo, porque você quer me forçar a uma impossibilidade momentânea que deveria respeitar.
Vou fazer regime da sua voz e das suas palavras. Porque você fala demais e fala palavras que não são macias e nem gostosas de escutar.
Vou fazer regime das suas palavras gordas e pesadas que caem sobre mim como chumbo. Eu chuto as suas palavras como bolas mas elas voltam, bolas pesadas, e voltam e voltam.
Ai que regime bom que vai ser não ter mais as suas palavras me dizendo coisas.
Pronto.
Viu? Escreveu ou não escreveu?
Tita - 19/07/2011

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Ciúme

Quando viu, sentiu a avalanche que tomava conta de todos os órgãos, turvava os olhos, embotava os movimentos. Dizer o que? O cérebro não respondia. Lentamente procurou uma cadeira, tateando, quase cega. Sentou-se e olhou sem ver, coração disparado, mão à frente da boca segurando alguma coisa parecida com vomito, soluço, grito? Gritar seria humilhante, vomitar degradante, chorar não. Não choraria.
Sem ação.
Talvez parecesse plácida para quem a visse. Semblante adormecido, mãos caídas sobre as coxas. Ah se soubessem o que estava sentindo!!!!
Se pudessem fotografar todo o reboliço do de dentro!
Mas o trunfo era este. Não podiam e nunca saberiam pois não diria a ninguém.
Ficaria ali. O ciúme roendo, roendo, comendo cada pedaço,
até o fim.

Tita – 01/07/2011

Com os agradecimentos à querida Sylvia Loeb que me intimou a escrever.

terça-feira, 21 de junho de 2011

musicando


tractaracutac. tractaracutac
pa paraparará
paparaparará
tractarac
tractarac
papa rapara rará!!!!

Tita - 21/06/2011



segunda-feira, 6 de junho de 2011

Pessoas

Talvez não se esqueçam as mágoas e os fatos.
Talvez, a cada vez que se lembre dos acontecimentos, venha uma onda de tristeza forte, uma dor no coração, um respirar dolorido, uma mágoa inesquecivel e profunda.
Porem as pessoas, as causadoras das tristezas e dos fatos, são falhas e passíveis, como todos nós, de tantos e tantos erros.
Então é certo esquecer que foram as causadoras dos fatos que nos doeram, doem e até poderão doer eternamente.
É o certo.
Tita - 06/06/2011

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Tapete

Foi-se embora o tapete e com ele a história das velas acendidas,
das tábuas com pedaços de queijos,
das velas em mesinhas rentes ao chão.
Quanta musica e quantos sussurros o tapete levou,
quantos abraços e copos e casos contou,
quantos sentires embalou...
Foi-se o tapete.
Ai que saudade
do tapete, 
de ti,
de ti no tapete,
do tapete em ti,
de ti sem tapete,
do tapete com ti,
saudade de ti,
saudade de ti.
1/06/2011

terça-feira, 31 de maio de 2011

Passado

Era passado.
Tinha sido difícil, muito mesmo. Mas era passado e finalmente, pensou, não doía mais. Procurou lembrar-se dos detalhes, insistiu e constatou: não doía mais.
Pena que ele não estava ali para que pudessem dividir esta sensação e a constatação de que a leveza poderia, agora, voltar.
Como voltaria? Talvez nunca como antes mas, sem sombra de duvida, voltaria.
Sentiu-se jovem, como naquele tempo; daquela juventude que não se conta nos dedos; aquela que vem de dentro para fora e se apossa mornamente dos movimentos e das sensações.
Sentiu-se leve, sentiu-se rir, mesmo com os lábios fechados.
Confiante, deixou a trilha principal e lançou-se, firme, ao atalho desconhecido.

Tita - 31/05/2011

terça-feira, 24 de maio de 2011

Dia 24 de maio de 2011

Eu sinto que meus olhos brilham e que minha boca, mesmo fechada, mostra um sorriso. 
Mas que delicia esta risada fácil que vem por qualquer pequena coisa e esta vontade de ver o mundo, encontrar  pessoas, reparar nas plantas, nos modelos dos carros, nas cores das ruas e casas.
Que prazer o de escutar musica com as janelas do carro fechadas e colocar o som suficientemente alto para que a sensação seja a do corpo a vibrar.
Que fácil seria hoje perdoar os que precisassem ser perdoados, abraçar os que estivessem tristes, fazer rir os que se esquecem de aproveitar as coisas pequenas.
Hoje eu topo todos os programas, experimento todas as comidas, quero um gole de cada coisa que me oferecerem.
Hoje eu conheço novos lugares, eu atendo alegre aos telefonemas, eu tenho assunto a rodo, eu gesticulo, conto, falo, escuto. 
Hoje eu aceito o que vier, sabendo que é um presente grande e cheio de fitas coloridas.
Hoje eu vou!
Hoje eu quero!
Hoje eu sou!
Tita - 24/05/2011

domingo, 22 de maio de 2011

Vida


Amanhece um domingo de sol. Escuto Schumann e penso que sim, a vida ainda me trará muitas coisas novas, estimulantes, tonicas, apimentadas, explosivas, fortes, saborosas, requintadas, vibrantes, delicadas, engraçadas, únicas e muito, muito boas!

Tita  22/05/2011

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Muito tarde

Havia coisas incompreensíveis e seria o melhor não tentar entende-las? Tantas que não compreendia e, por mais que tentasse esclarecer seus pensamentos para poder escrever sobre elas, não havia nada que ficasse claro e nada a ser escrito.
Tudo pelo que tinha passado no ultimo ano e meio, a sensação do não ser bem vinda, o sentimento de inadequação, o impertencimento ao grupo, o ser a estranha dentre os que se combinavam. Além disto, a tristeza que tomava conta e ali permanecia disfarçada em sorrisos, na firme crença do ser a fortaleza que tudo supera.
Mas não era assim que as coisas se davam e era com força total que, sem aviso, explodiam e se manifestavam aonde menos se esperava.
Tarde demais para perceber que deveria há muito, ter fugido da situação opressiva.
Tarde demais para reverter os fatos, esquecer a mesquinhez, desculpar os maltratos.

Tita – 12/05/2011

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Ta-tu-ra-na


A primeira lembrança era a de uma taturana verde claro, movendo-se lentamente sobre uma folha verde escuro.
A folhagem forrava um muro bem mais alto do que ela mas, a taturana, estava na altura dos olhos.
Sabia que não podia encostar o dedo, a avó dizia que taturana queima, tinha tanta vontade de pegar!
Passou horas olhando o movimento do corpo comprido, devia cansar aquele mover-se com tantas perninhas, ela só tinha duas e não andava deitada, andava de pé. Gente andava de pé e gente, quando não andava de carro ou bonde, ou onibus ou sei lá, andava a pé.
A-pé.
Ah, gente também entrava pela porta de um avião e voava junto com ele.
A taturana ia devagar passando pelas folhas. Alguém chamou, fingiu não escutar, queria ver aonde iria aquela coisa estranha e linda e aflitiva em que não se podia mexer. O fim daquele caminhar de mil perninhas nunca chegava...
Pegou um galhinho, cutucou de leve. A taturana parou. Cutucou de novo, o bichinho encolheu juntando todo o corpo. Ficou metade do tamanho! Que interessante...
Esperou um pouco, cutucou de novo, colocou o galhinho na frente, abaixo, ao lado...ai, ela grudou no galhinho e veio com ele ai, ai que medo, vai chegar até a minha mão, largou tudo, quase caiu no pé descalço, pulou para traz e agora, taturana no chão, alguém pode pisar ou ela, de vingança, vai entrar em casa, vai até o meu quarto, vai subir na minha cama, vai me queimar!!!
Correu, pegou uma vassoura, empurrou, bateu, bateu, bateu, empurrou para dentro do canteiro de terra, nem viu se morreu ou não, largou a vassoura, correu, correu, chorando, chorou, chorou, soluçou, perguntaram o que foi, nunca disse.
Tita
27/04/2011

Tudo a ver
"Porque ver é permitido, mas sentir já é perigoso. Sentir aos poucos vai exigindo uma série de coisas outras, até o momento em que não se pode mais prescindir do que foi simples constatação."
Caio Fernando Abreu em "Caio 3D"

terça-feira, 26 de abril de 2011

Harmonia

O importante era prestar atenção às cores. Isto sim era importante.
De resto, tudo passara muito rápido, desde a magreza de que bem se lembrava,os banhos de água doce, as entregas sem nexo. 
Ela sempre fora tão, tão...
Uma tarde sentada no chão e um ele no sofá, primeiro beijo, primeiro gostar, amar tanto, viajar no doce da boca e então, a lembrança de uma praça, sentindo a liberdade na alma.
No metrô parava do lado direito para não atrapalhar a passagem pelo lado esquerdo. Costumava fazer tudo muito certinho.
Mas isto também ja passara.
Pequenas coisas que voltavam e já não significavam.
A questão, no momento, era prestar atenção às cores e através delas alcançar a harmonia.
Isto sim era importante.
Tita - 26/04/2011
Imagem: Carolina Parrot - John James Audubon  - google images

Tudo a ver:
"Ampliar a arte? Não! Antes, toma a arte para ir contigo na via que é mais estreitamente a tua. E liberta-te"
Paul Celan em "O Meridiano"

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Tomando café

Já tomei um café, daqui a pouco tomo outro, fico mais um pouco e vou-me embora.
Ou tomarei mais um café?
Decerto vou perder o sono, mas acho que é isto que as pessoas que esperam fazem. Tomam um café, depois mais outro café...
Vou pedir uma garrafa de água. Tratarei o café como se fosse vinho: alguns goles de café, alguns goles de água, mais café, mais água. Ou deixo o café de lado e tomo apenas a água. Se bem que, na verdade, não estou com sede.
A mulher na mesa ao lado não parece esperar alguém. Come um doce e lê uma revista. Estico os olhos, queria saber qual é a revista. Analiso a fisionomia, acho que não está lendo a Caras ou a Contigo, deve estar lendo no mínimo a Times, não, deve ser a Isto é, não...desisto! Ela que leia o que quiser.
Eu deveria ter trazido um livro, já que decidi que esperaria. Ou, volto ao pensamento de tomar mais um café e ir-me embora.
A sola do meu pé está coçando, será que irei viajar? Dizem que quando a sola do pé coça  é porque se vai viajar e, quando a orelha fica quente é porque alguém está falando de nós. Minha orelha não está quente, ninguém está falando de mim e eu já me cansei de ficar sentada aqui.
Chega.
Dane-se a água e o café.
Eu vou para casa.
Tita 11/04/2011


quinta-feira, 31 de março de 2011

Maçã


Fiquei sentada lá. Não sei por quanto tempo.
Comi uma maçã pequena e depois mais uma.
Acho que não pensei em nada. Só eu ali, sentada em um banquinho em um canto escuro de um lugar pequeno.
Eu e o meu desanimo.
Fazemos boa companhia um ao outro. Andamos juntos, tomamos café, executamos tarefas e mais tarefas, nos abraçamos, caminhamos ombro a ombro, e nos sentamos para comer maçãs.
Já nos conhecemos há algum tempo e compartilhamos da solidão e da falta de crença em modificações que nos animem. Assistimos quase todos os dias a um mesmo filme e trocamos ideias sobre pequenas novas cenas que foram colocadas aqui e ali.
Costumávamos nos empolgar, desenhar novos enredos, queríamos abraçar desafios e alimentar repaginações. Hoje apenas nos olhamos e, compreendendo um ao outro, ficamos quietos.
Quando chega a hora de ir embora nos despedimos. Entro no elevador e me vou.
Não o levo comigo pois é ali sua morada e é ali que ele fica bem.
Dele me esqueço chegando ao térreo.
A porta se abre, alcanço a rua, sorrio, e vou ao encontro da vida. 
Tita 31/03/2011


segunda-feira, 28 de março de 2011

Só isso!

Quer conversar? 
Não sei se tenho vontade...conversar sobre o que? 
Invente você o assunto, eu não tenho nenhum. 
Não, não estou preocupada, não há nenhum problema. Se tenho uma explicação? Não sei... acho que é descrença, acho que é isso...sabe um buraco no ventre, um rodamoinho, um vento? É assim. Não sei explicar mais do que isso. Na verdade é só isso.
Conte alguma coisa, se quiser. Enquanto conta, vou me interessar, vou escutar, você vai ver. Está vendo? Achei muito interessante. Conte mais. O que você falou? Não me lembro. 
As coisas passam depressa, não as tenho guardado mais do que por aquele segundo em que as vejo ou escuto. Quando passam, passaram. Viver o momento? Há momentos que são vividos em um segundo. Depois é esquecê-los. 
Quer que eu me lembre? Não vai ser possível. Tudo para mim é inlembrável, é uma questão de esvaziar qualquer retenção de memória, de lembrança, de pensamento. Por que? Não sei... acho que é descrença, acho que é isso...sabe um buraco no ventre, um rodamoinho, um vento? É assim. Não sei explicar mais do que isso. Na verdade é só isso.
Durante algum tempo procurei analisar os fatos, colocá-los em ordem, achar os significados. Muito complicado! Quando pensava ter encontrado as respostas, tudo se embaralhava novamente. Agora não penso mais, estou me especializando no impensar. É muito interessante, você deveria tentar, é dificílimo mas consegue-se por alguns segundos, ínfimos, do mesmo tamanho daqueles em que se guardam as coisas que passam enquanto as vejo ou as escuto. Não pense que é fácil. Especializar-se no inlembrar e no impensar é cansativo, exige vigília contstante. Por que insisto nisso? Não sei... acho que é descrença, acho que é isso...sabe um buraco no ventre, um rodamoinho, um vento? É assim. 
Não sei explicar mais do que isso. 
Na verdade é só isso.
Tita - 28/03/2011

sexta-feira, 25 de março de 2011

Às vezes

Um dia na vida tropeça-se em alguem que nos percebe e que só percebemos quando o fato de termos sido percebidos se faz claro. Então nos espantamos, e ficamos extasiados, e queremos agarrar, segurar, abraçar, mergulhar na troca  gratificante das palavras, dos sentimentos, dos mesmos livros lidos, das frases grifadas e re-grifadas, das percepções.
Às vezes isso acontece.
Às vezes.
Tita - 25/03/2011

terça-feira, 22 de março de 2011

Menina


Eu vi a menina sentada na pedra.
Movia a cabeça com graça, cabelos louros com mechas claras brilhando ao sol.
Ao olhar-me sorriu, sabendo-se observada.
Desceu de onde estava e subiu em outra pedra próxima, um pouco mais alta.
Equilibrando-se, andou por todo o topo da pedra grande, braços abertos, sorindo-me a cada passo.
Olhou para o céu, movimentou os braços com força, sorriu-me novamente e voou, devagar, alto e um pouco mais alto, sorrindo...rindo..sorrindo...rindo, indo, indo...
Por que eu, quando criança nunca voei?

Tita - 22/03/2011


terça-feira, 15 de março de 2011

Aquele!


Faz falta o sentimento, aquele.
Um que toma o corpo todo, arrepia a pele e espalha um quentume que não se consegue esquecer
Faz falta aquele quê de tontura,
o pensamento fugidio e sem parada, olhos perdidos no sem limite do céu.
Falta o sorriso fácil,
aquele que antecipa o que se sabe vem, e que recebe o que sempre chega.
Faz falta o torpor,
o corpo que levita, a ansiedade que assalta e, num repente, se esparrama pelo chão.
Faz falta o sentimento, aquele.
Só ele.
Tita - 15/03/2010

Tudo a ver
"Pretendo descobrir no último momento, um tempo que refaz o que desfez;
que recolhe todo sentimento e bota no corpo uma outra vez."
Todo o Sentimento - Chico Buarque e C. Bastos


sexta-feira, 4 de março de 2011

O largo da bola


Cronica minha na revista "Aqui".
numero 4, pagina 32

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Migração


Escuta-se, vira e mexe, sobre a migração de aves, abelhas, peixes...Estes últimos são os que (a meu ver) mais sofrem quando se esforçam, rio acima, procurando ambiente propicio para a desova.
Que cansativo nadar contra o rio enfrentando cachoeiras e predadores, num esforço supremo para encontrar águas tranqüilas aonde procriar e ser feliz! Provavelmente, após a desova, abandonam o corpo para que seja levado ao bel prazer do rio, de volta ao lugar de onde vieram. Ou não? Não tenho conhecimento desta volta. Retornam para o mesmo lugar ou são levados a outro? Haverá os que desistem da ida sabendo da volta certa? Saberão de antemão, os fracos e subnutridos, que a ida será, para eles, caminho final e sem volta?
Um dia vi, em rio largo de águas limpas e silenciosas, um grande cardume, empenhado no esforço de enfrentar a correnteza em sentido contrário.
Procurei ajudar um dos mais miúdos, que não conseguia acompanhar o bando. Porém, tudo o que fiz foi cansá-lo ainda mais. Debateu-se, nervoso. Mesmo após ser deixado a sós continuou a debater-se e, incapaz de recuperar-se, morreu.
Procurei pegar o pequeno cadáver para enterrá-lo, mas, rígido e liso, escapou-me das mãos.
Sentada na canoa olhar fixo nas águas do rio, constatei: ajudar o próximo sem ser chamado, nem sempre é o melhor caminho.
Tita - 24/02/2011



quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Um e dois

Amaram um amor ingênuo, as personalidades a desbotar-se, tênues, sobrepostas por uma nova e única, inconsistente.
Abandonaram as peculiaridades, abriram mão dos amigos e confidentes, abstiveram-se de defender idéias.
Agarraram-se a um amor sôfrego, trôpego, dominador e exigente, quatro olhos olhando em uma só direção.
Entrelaçaram as mãos, as idéias, os gostos, o tempo e os pensamentos.
Viveram siameses, engolidos, unidos, dia após dia, fins de semana, meses, anos.
Aos poucos perderam a alegria, o viço, a graça, o riso, o brilho nos olhos.
Largar as mãos os deixava perdidos, entrelaçá-las não trazia paz.
Irritaram-se um com o outro, agrediram-se, maltrataram-se.
Até o momento em que, cansados de não mais suportar-se, apartaram-se.
Tornaram-se dois, esvaziados e transparentes.
Tita - 17/02/2011

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Que dirá minha lembrança?

Minha lembrança diz coisas que se misturam e formam um quadro multicolorido, desses que ocupam toda uma parede.
Passeia por diferentes lugares, rememora arrepios, anseios e momentos deliciosamente completos.
Fica pequena e grande e, num repente, faz-me sentir tanta mas tanta saudade, que é capaz de tornar-me a mais triste das pessoas para, em seguida, lembrar-me de que a tristeza só vem porque houve muita felicidade.
Por vezes sussurra baixinho assuntos íntimos que procuro manter unicamente dentro de mim. Sorrindo, tapo meus ouvidos para que não fujam e se espalhem.
Há dias em que grita, a danada, não aceita minha indiferença, grita de novo, teima em atirar de volta coisas que prefiro não lembrar.
Minha lembrança, vez ou outra cala-se, extasiada, deixando-me viver novamente os melhores momentos já passados.        
Passeia comigo e, a cada novo acontecimento me cutuca, lembrando-me de um antigo que se juntará ao novo, formando uma cadeia cheia de ondas.
É minha companheira, a minha lembrança.
Por isto sempre a mantenho ao meu lado e dou-lhe as mãos, agradecida pelo fato de permanecer comigo, permitindo que eu leve para o futuro a soma das tantas e tantas coisas boas que já vivi!
Tita - 14/02/2011

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Musical

É como uma amizade musical, sabe como?
Assim: a gente escuta uma musica e gosta, e um dia descobre que ele gosta também. Aí a gente pensa: hummm, sabe que pode ser que esse cara seja um cara legal?
Depois, como quem não quer nada a gente pergunta: que musicas você tem? E descobre que ele tem um monte de musicas que você gosta. Aí a gente pensa: hummm, e não é que esse cara parece ser bem legal?
Outro dia você chega com um pendrive e pede: me dá uma musica? Ele dá, não só uma, mas um monte. Você pega o pendrive, leva p’ra casa, grava tudinho e pensa: esse é um cara legal!
Ainda um outro dia, ele vem até você e pergunta: ei, você escutou essa musica? É super boa, você quer? Aí você diz EU QUERO!!!!!.
Ele grava a musica p’ra você, você leva pra casa e pensa:
Esse cara é O cara!!!
E ele passa a morar no seu coração.
É assim uma amizade musical.

Tita, 10/02/2011
Para Dong, meu amigo musical.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Rachadura na parede

Sentada, olhava fixo, sem conseguir desviar os olhos.
Há quanto tempo existiria a rachadura na parede? Era funda, parede grossa, casa de outras épocas.
Contavam-se tantos casos... Haveria galerias escondidas, sarcófagos perdidos nos porões, portas falsas que levavam a calabouços? Quantas vidas teriam passado por ali, deixado sua marca, suas cenas diárias, suas palavras perdidas no ar? Seria verdade que as paredes guardavam as histórias?
Olhar parado pensava aposto que sim, esta parede sabe muito, muito mais do que mostra.
Não conseguia sair dali.
Imaginou crianças brincando pela sala grande, rufares de saias agitadas, rubores, beijos furtivos, tardes de bordado, jantares fartos, arfares de peitos, espartilhos apertados, risos contidos, chaves amarradas na cintura, escuridão nas noites sem luz.
Num repente enrubesceu, respirou com dificuldade, sorriu sozinha, sentiu-se participando das cenas imaginadas.
E então medo, o corpo todo se arrepiou. Será que já vivi aqui?
Uma tábua rangeu.
Apavorada, não olhou para trás. Saiu correndo, bateu a porta, reuniu-se ao grupo de pessoas que, na varanda, tomava café. Sorriu como se nada fosse e achou melhor se calar. Ninguém acreditaria mas ela sabia e, para aquela rachadura na parede, não olharia nunca mais.
Tita 07/02/2011

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Uma a uma

Havia tantas esperanças naquele momento...sentimentos fortes que em seguida nos maltrataram pela descontinuidade do encontro de nossas presenças.
Foi uma despedida doce aquela.
A cena que ficou em mim para sempre foi a de te-lo ao meu lado, conversando comigo, dobrando minhas roupas, entregando-me as peças uma a uma, para que eu colocasse na mala. 
Meu corpo aquecendo-se por dentro a cada peça, meu amor aumentando, meu enlevo tirando-me do ar.
Então me fui e você acenou da estrada.
Lágrimas escorreram durante todo o caminho. Como me senti só!
Você disse volta, volta!
Eu disse vem, vem, vem!
E a vida nos deixou para sempre separados.

Tita - 31/01/2011

Espreita

Ando pela casa, pelas ruas, por todos os lugares.
Saio pela estrada procurando o silencio e o sol, cantando pelo caminho.
Vou e volto, movo-me pela vida, movo-me pelos dias e horas.
Vou só, mas sei, você está sempre à espreita acompanhando minha fala, meus gestos e passos.
Por isto não olho para trás e, quando se faz o escuro, não abro os olhos.
Não quero ver mas, eu sei.
Você está ali, você está ali!

Tita - 31/01/2011

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Fagocitose

Com tantos dias em branco, decido que escreverei, de qualquer maneira. Abro o dicionário e encontro uma palavra.
Escrever por vezes é ato de bravura, principalmente quando nos surge uma palavra como esta, nada poética.
Gosto de escrever sentimento, escrever ternura, ruminar poesia. Gosto do som das palavras na minha mente e nos meus ouvidos.
Mas, vamos e venhamos: fagocitose é palavra que desafina, não cabe na escala de tons.
Entendo que preciso enfrentar o desafio de escrever sobre qualquer palavra de cabeça erguida, estabelecer processos, criar idéias e cumprir a tarefa...
Após matutar sem sucesso procurando uma criatividade impossível, decido: eu me tornarei um fagócito e não mais escreverei. Passarei o resto dos meus dias a destruir esta palavra tratando-a como um reles micróbio nocivo! Isto sim é o que ela merece.
Tita - 25/01/2011

sábado, 8 de janeiro de 2011

Sou?

As musicas misturam-se e cada uma provoca um sentimento diferente.
Sou eu a que tem esta alma que absorve sons e sentimentos desta maneira tão real, incoroporando as sensações e  passando por todas como se o corpo estivesse em uma montanha russa?
É o meu eu, este que sente assim tão intensamente desde um raio de sol, uma pequena alegria, uma gota de espuma branca no corpo negro de sol, até uma lágrima que vem da profundeza e toma conta, tão totalmente, provocando soluços que num repente transformam-se em riso feliz de quem nunca viu tristeza?
Sou realmente eu, a que vive intensamente da calma à orgia, a que recusa totalmente ou se entrega sem reserva alguma aos acontecimentos da vida?
Sou eu?
Eu heim!!!!
Tita, 08/01/2011

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Bafo

Há dias em que a vida sorri, como uma sala cheia de crianças felizes.
As coisas se encaixam e a alegria chega como um bafo que abraça e envolve, tomando conta de tudo.
Rápido e fugaz.
A vida em um bafo.
Um calor.
Que num repente deixa o corpo leve.
E leve, salta e alegre, ri e solto, dança e pula.
Tita - 07/01/2011

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Queijo derretido

Mordiscava o queijo aos poucos, saboreando cada bocado.
Goles pequenos de Stella Artois, delicia gelada entrando pelo corpo.
Can't you see quantas pequenas coisas se podem aproveitar?
You are so beautifull to me... adianta?
Violão toca sem eco.
Eu ouço meu ipod e cada um vive a sua vida.
Oportunidades? Muitas.
I am falling!
I am falling!
Unhas vermelhas cravaram-se em pele?
I am falling.
Cadê aquele sentimento?
Só quero completo, nem que breve.
Pela metade, no more!
Tita
Juquehy, 02/01/2011

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Corpo Magro

Nessas horas lembrava-se dele roçando o rosto em seu pescoço delicadamente, apertando o seu corpo e dizendo aquelas coisas que ela gostava de escutar e que lhe davam vontade de encostar-se ao corpo magro dele e dizer mais e mais e quero mais.
Até hoje não tinha entendido como, partindo de uma coisa tão boa, a pessoa agir tão estranhamente e embaralhar tudo, chegando a tornar-se indecentemente desconhecida. 
Incompreendia.
Quando cedera (ai que pressão), imaginara que seria leve, divertido, esporádico, mas verdadeiro.
Nada disso.
Transformara-se nessa coisa estranha e sem palavras, cheia de incompreensões, que era ele.
Porém, em horas de sol e mar e musica, ela se lembrava dele e do corpo magro e pensava: que pena!
Tita
Juquehy, 2/11/2011