segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Invólucro



D.arc.y - imagem flickr
Escuto a voz, tão perto mas neste momento tão longe. 
E escuto mais e mais uma vez.
Então gravo a minha e a solto no ar.
Neste momento da vida experimento sentimentos que, 
mesmo se um dia vividos, 
são novos, inesperados e muito fortes.
Nos meus pensamentos guardo o que me dá o sonho 
que me leva em frente.
Amo o invólucro que nos mantém unidos, 
nossos planos que iluminam as possibilidades 
e
as palavras que trocamos em todos os momentos.
Amo o possível que se abre 
e o fato de nos darmos as mãos 
para percorrer o caminho.
Amo o exequível, o superável, 
o atingível, o feliz que sabemos.
Amo a presença que se faz forte, 
segura e reconfortante.
Somos todas as possibilidades 
que agarro em meus braços.
Assim como seguro tua presença, 
sempre,
em mim.

Tita - 29/09/2014
Tudo a ver
A vida era passar o tempo juntos, 
era ter tempo para caminhar juntos de mãos dadas, 
conversando calmamente enquanto viam o sol se pôr.
Nicholas Sparks

sábado, 27 de setembro de 2014

Girafa

Houve aquela que se colocou naquela situação em que não gostava de estar. Tudo falta de controle.
Na verdade não se sabe o porque dessa necessidade de tanto controle sobre si mesmos. Sempre tendo de controlar-se.
Então vem o branco. Tudo muito puro e imaculado, o que só decorre do controle.
Por fora bela viola, por dentro...
Seus pedaços já estavam desbotados. Desabotoados de afetos. Talvez fosse impar. Ou uma barca furada.
Lembrava-se da canoa em que não conseguia ficar de pé. Os salva vidas eram sempre necessários porque mesmo que os rios corressem mansos, havia pedras no fundo e era perigoso, muito perigoso mergulhar de cabeça e se machucar.
Aos pouco ia aprendendo onde estavam as pedras, aqui e ali. Algum dia soltar-se-iam do fundo, boiariam e passariam a bater-se umas nas outras? Que grande perigo sair nadando por entre elas e estar entre duas que poderiam bater-se.
Grande perigo.
Tirou o pé da canoa. Estava ficando tonta com os pensamentos que, não sabia de onde, vinham nela se instalar.
Era verão quando tudo acontecera? Fora de repente, mas não se lembrava de ter sentido calor. Talvez porque sempre houvesse água e podia refrescar-se quando quisesse.
Era tempo de garças brancas e de mergulhões aos montes, na beira dos rios. Delicados e bonitos.
Ao longe algumas emas poderiam ou não aproximar-se. Não havia girafas nem leões.
Só seu pescoço comprido que, alto, quase se destacava da cabeça.
O problema era este: o pescoço comprido. A cabeça ficava alta e cabeças altas veem demais.
Tita - 27/09/2014

Tudo a ver
Se abres os olhos,
abre-se a noite de portas de musgo,
abre-se o reino secreto da água
que emana do centro da noite.
E se os fechas,
um rio, uma corrente doce e silenciosa,
inunda-te por dentro, avança, torna-te obscuro:
a noite molha margens na tua alma.
Octavio Paz em "Agua Nocturna"

Profusão



Diz que devo escrever sem pensar e que das palavras impensadas, surgirá a base do que deve ser escrito.
Deveria criar a partir das pequenas coisas, um mundo cheio de cores que se misturassem. 
Estão dentro de mim mas não sei colocá-las no de  fora e, quando as de fora trago para mim, são quase sempre as escuras.
Tita - 26/09/2014

Tudo a ver
Através da noite urbana de pedra e seca
o campo entra no meu quarto.
Estende braços verdes com pulseiras de pássaros,
com fivelas de folhas.
Leva um rio à mão.
O céu do campo também entra,
com o seu cesto de jóias acabadas de cortar.
E o mar senta-se ao meu lado,
estende a sua cauda branquíssima no solo.
No silêncio brota uma árvore de música.
Na árvore pendem todas as palavras formosas
que brilham, amadurecem e caem.
Na minha testa, uma caverna onde mora um relâmpago...
Porém, tudo se povoou com asas.
Diz-me: é deveras o campo que vem de tão longe,
ou és tu, são os sonhos que sonhas ao meu lado?
Octavio Paz em "Visitas"

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Falta


Sinto sua falta
Saudade 
de me aninhar nos seus braços, 
de escutar suas histórias, 
de ter sua presença carinhosa e doce.
Sinto ainda seus beijos macios 
e seus abraço forte e aconchegante
me segurando firme perto de si.
Saudade 
de sua chegada sempre alegre 
dos passeios, 
dos almoços, 
dos jantares, 
das conversas sem fim.
Sinto sua falta.
Saudade
do seu cuidado comigo, 
da sua vontade de me acariciar
das suas palavras doces 
do seu sussurrar no meu ouvido
do seu fazer-me rir 
em todos os momentos.
Sinto falta
da sua presença enorme
que ocupa meus dias
minhas horas
e meus pensamentos.
Saudade 
de me afogar na fumaça do seu cigarro
de ter pena de você ir embora
de esperar o dia seguinte para de novo
estar com você
ver você
falar com você
escutar você.
Sinto falta
de encontrá-lo todos os dias
e de cada dia ser melhor do que o anterior
e melhor do que o anterior
e melhor ainda do que o anterior
Sinto sua falta.
Sinto sua falta
Sinto sua falta.
Tita - 22/09/2014

Tudo a ver
Que dias há que n'alma me tem posto
Um não sei quê, que nasce não sei onde,
Vem não sei como, e dói não sei porquê.

Luis de Camões

sábado, 6 de setembro de 2014

Xô!

Hoje a realidade me pegou,
de assalto.
Invadiu minha sala,
estremeceu minha paz,
surrupiou momentos.
Ladra inconveniente
e incompetente.
Vá-te,
não te quero aqui!
                                               
                                                             Tita 06/09/2014
Tudo a ver
Tens nas tuas mãos fluidas,
O poder que mal sabes,
De alterar as marés
Que me atravessam
Silvia Chueire

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Dizeres

Quando eu disser, 
se disser,
Direi nos seus ouvidos, 
devagar.
No dia em que disser,
direi.

Talvez em algum momento eu pense em dizer
Mas ache que não devo
Ou talvez pense que direi 
se você disser
E, 
mesmo se você não disser, 
talvez eu diga.

Pode ser que  direi um dia e então, 
nunca direi que não disse.
No dia em que eu disser, 
se disser, 
não será uma frase rouca, 
nem será coisa pouca.

Porém não se iluda pensando que fatalmente direi.
Porque só direi 
se for profundamente sentido
E se para nós dois, 
fizer todo o sentido.
Tita 04/09/2014

Tudo a ver
Entre mim e o meu silêncio
Há gritos de cores estrondosas 
e magias recortadas dos sonhos 
que acontecem naturalmente
José Luis Peixoto em "A criança em ruínas"

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Requiem Eterna Doneis Domini

Esvaiu-se aos poucos. Muito lentamente.
A cada dia perdia um pouco do brilho do olhar que, cada vez mais ultrapassava o que houvesse a ser visto. 
A mim parecia que não lhe importava mais ver.
Falava com dificuldade e então, não falou mais. Desanimou-se e tinha dores.
Ficamos ali, uns nervosos, outros muito tristes, outros fazendo o que tinha de ser feito.
Nas ultimas noites dormi ao lado dela, com um misto de medo e curiosidade, procurando descobrir o que sentia.
Quis lhe dar conforto mas mal consegui adivinhar do que precisava.
Na ultima noite entendi que me pediu água e, enquanto corri para buscar ficou impaciente e gritou "Água", Água"! Entendi, mesmo que tivesse sido dito daquela maneira quase ininteligível.
Retornou em mim toda a impotência que sempre senti perto dela. Quantas tentativas de que se sentisse segura comigo, todas em vão, como esta, da ultima vez.
Deixava, e até me pedia, que cuidasse de sua vida financeira. 
Porém, da emocional, nunca deixou que eu me aproximasse.
E foi-se indo assim, aos poucos, o corpo magro e cheio de dores que mal conseguíamos aplacar.
Demos-lhe despedidas lindas, a missa, o velório, a musica, tudo como gostaria.
Mas  nunca saberei se percebeu o meu esforço da vida inteira,
Nem se algum dia desejou que eu realmente fizesse parte.
Tita 01/09/2014