quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Fuga

Corro, longo corredor.
Por todos os cantos
teus olhos pedintes me chamam,
brilham no escuro,
me aterrorizam.
Não paro, fujo e mais fujo
Teus braços se multiplicam em busca de mim
corro e me desvencilho.
Pulo dedos,
afasto ombros,
atravesso cotovelos,
fujo das mãos .

Tita
Julho, 2014.
Tudo a ver
"que mania de julgar têm os seres humanos, e como nos desassossegam e nos desconcertam os casos moralmente ambíguos que não permitem situar com precisão a linha de luz e a de sombra"
Rosa Montero em "A Louca da Casa"

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Repentes

Se eu falar demais, 
rir fora de hora, 
Não significar seu sonho, 
perder a fala, 
perder a cor...
Se não for engraçada 
ou inteligente, 
nem culta, 
interessante 
ou preparada...
Se você se irritar 
e ficar louco ...
Se se entristecer
e eu calar, 
nada disser...
Se eu enfeiar
com olheiras 
e cansada...
Se num repente
eu para você 
for nada,
prometa
que me dirá.
Não me deixe 
sem aviso,
Não se vá.

Tita - 01/10/2014

Tudo a ver
Tão abstrata é a ideia do teu ser
que me vem de te olhar, que, ao entreter
os meus olhos nos teus, perco-os de vista
e nada fica em meu olhar, e dista
teu corpo do meu ver tão longemente,
e a ideia do teu ser fica tão rente
ao meu pensar olhar-te, e ao saber-me
sabendo que tu és, que, só por ter-me
consciente de ti, nem a mim sinto.
E assim, neste ignorar-me a ver-te, minto
a ilusão da sensação, e sonho,
não te vendo, nem vendo, nem sabendo
que te vejo, ou sequer que sou, risonho
do interior crepúsculo tristonho
em que sinto que sonho o que me sinto sendo.
Fernando Pessoa