Sempre escorregava.
Nos pingos de água, nos pisos lisos e no gelo da neve mas, principalmente,nas palavras.
Passava por elas deslizando;
Escapavam-lhe inexplicavelmente.
De algumas conseguia apanhar a primeira ou ultima silaba porém,deixava escapar as do meio. Então, guardava apenas os pedaços e, de posse desses, passava a procurar, incansavelmente, suas partes.
Um dia deu-se conta de que tinha uma silaba nas mãos. Apenas uma.
Sem saber de onde teria vindo procurou encontrar-lhe o sentido.
Escutou-a, mas nada dizia;
encostou-se nela, não havia aconchego;
passou-a em seu corpo, sem sensações.
Então soltou-a no ar.
Voou como se tivesse asas.
Rodopiou, flutuou e fez desenhos contra o céu.
Depois, caiu-lhe novamente nas mãos.
Até hoje a mantém e procura, em vão, uma forma de decifrá-la.
Tita 29 de janeiro, 2016
Tudo a ver
"Fazer da palavra um embalo
é o mais puro e apurado
senso da poesia"
Mia Couto em "idades cidades divindades"