quinta-feira, 29 de março de 2012

Borbulhava

Como borbulhar? Desaprendi. 

Lembro-me de borbulhas em um copo que, estranhamente, estava embaixo de um piano (de veneno? Quem bebeu morreu?), há muito tempo atrás.

Peguei-o mas me foi tirado e vi  apenas as costas de quem o levava provavelmente cheio até o topo, com toda a minha capacidade de borbulhar. Não olhou para trás e nem mesmo preocupou-se, dia algum, em saber se me fazia falta o copo borbulhante. 
Deve te-lo esquecido em qualquer lugar por onde passou, nunca mais recordando-se dele ou de onde foi deixado.

Desde então posso ter criado tufões, ventos fortes e benignos ou até leves brisas nada permanentes mas, borbulhas...nunca mais.

Tenho entrado embaixo de pianos em busca de copos perdidos, ou até procurado me deixar levar pelo vento mas...nada! 

Foram-se as borbulhas.

Deve ser por isto que prezo tanto o mar. 
Deixo que  a água me invada enquanto procuro segurar as pequenas bolhas que se formam nas ondas e que, 
que pena, 
parece que afastaram-se irremediavelmente do meu ventre.

Tita
29 03 2012

Re-criar


Quisera eu, produzir o inédito. 
Por vezes, é como se tivesse criado uma personalidade que, estando de certa forma fora de mim, repete-se de forma incansável e, de tanto repetir-se, torna -se terrivelmente cansativa no gravar dos mesmos termos, tópicos e emoções.
É preciso re-novar, re-criar, re-ser, re-ver, re-aparecer com novas roupagens, a cada vez.
Não posso correr o risco de perder-me indefinidamente em re-escritas do mesmo.
Sei que para re-criar tenho de lançar-me ao mundo, sem medo, ousando o que me for possível.
Por isto e para isto lanço-me a cada nova experiência, deixando que, seja no final bem sucedida ou não, se aposse de mim de qualquer forma para que possa ser traduzida em sentimentos, quem dera novos, gravados nesta tela.


Tita - 29/03/2012

Tudo a ver
"Courage is not the absence of fear; it is the making of action in spite of fear, the moving out against the resistance engendered by fear into the unknown and into the future"
"The Risk of Loss" - M. Scott Peck in "The Road Less Travelled"

sábado, 24 de março de 2012

Brinde


Abriram a porta do apartamento quase vazio, 
percorreram os cômodos de poucos móveis.
Ela disfarçando um sorriso, 
ele coração disparado.
Ela pegou dois copos.
Ele abriu o vinho que carregava,
ela plugou o ipod. 
Musica.
Sentaram-se no chão, 
brindaram.
Um em frente ao outro, 
tomaram um gole de vinho.
Olharam-se nos olhos 
e com os olhos conversaram.
Ele estendeu a mão,
entrelaçaram os dedos.
Aproximaram-se devagar,
beijaram-se devagar
e devagar se amaram,
no chão,
com calma.
Ele nunca se esqueceu.
Ela ainda se lembra.

Tita

Tudo a ver
"...o corpo é o motivo fundamental de nossas ações e de nosso comportamento, que ocultamos nas vestimentas de nossos símbolos e cultura. Um corpo com moral cria um mundo de roupas que veste o nu. Mas o nu continua visível, mais talvez do que quando não era coberto por qualquer roupagem"
Nilton Bonder em "A Alma Imoral"

sexta-feira, 23 de março de 2012

Fervendo


Sou bola de fogo
Um turbilhão.
Sou vento,
tufão,
sou bomba,
rojão.
Pulo o caminho,
ultrapasso o fim,
sou um trovão,
sou raio,
estopim.
Ebulição de vulcão,
frenesi constante,
sou intermitente,
sou onda gigante.
E em letras explodo,
o que é indizível;
Desenho e rimo,
procurando o exequível.

Tita - 20/03/2012

quinta-feira, 22 de março de 2012

Baby

Oh baby, please, 
não me acende. 
Não me beija assim, 
vê se entende. 
Não me dança assim, 
não me gira. 
Não me olha, 
não me pega, 
não me prende. 
Não baby, 
não diz 
que o que é 
não condiz. 
Que o que se queria
não se quer 
nem se podia. 
Baby, baby, 
não me embala 
não me pede pra cantar 
e nem me cala. 
Baby, baby, 
me sussurra. 
Não me bole,
só me fala. 

Tita
2011, algum dia

Tudo a ver
Os prazeres de se depender de alguém empalidecem perto dos medos paralisantes que essa dependência envolve
Alain de Botton em "Ensaios de Amor"

quarta-feira, 21 de março de 2012

Aquilo

O que você ia dizendo?
Eu não ia dizendo
Ia sim, eu escutei
Escutou?
É
Nossa, será que falei sem perceber?
Que você falou, falou.
E o que foi que eu disse?
Você deve saber muito bem o que disse.
Não sei
Pense bem que você sabe
Você não gostou do que eu disse?
Você acha que eu poderia gostar?
Mas se eu não sei oque eu disse...
Sabe sim, não se faça de boba. Você sabe muito bem!
Eu não sei. Porque, quer saber de uma coisa? Eu não disse nada! (Achou melhor ficar quieta. Será que teria dito aquilo em que sempre pensava mas não tinha coragem de dizer?)
Fugiu né?
Chega tá? 
Fugiu!

Tita
18/09/2012


Tudo a ver
"...no meio da tarde lenta demais, escolheu que - se viesse alguma sofreguidão na garganta, e veio - diria qualquer coisa como olha, tenho medo do normal, baby"
Caio Fernando Abreu - "Anotações Insensatas" -  em "Pequenas Epifanias"

terça-feira, 20 de março de 2012

Descompassado

Desceu as escadas e andou até a praia. 
Manhã de sol, bem cedo. 
Hoje vai fazer muito calor...pensou. 
Tirou os sapatos e enterrou com gosto os pés na areia ainda fria. 
O corpo moreno, ai, não lhe saia da cabeça. A pele tão lisa...os seios, os abraços, os pequenos beijos, os lábios pedindo, querendo um beijo mais forte, mais longo, mais louco, maior. 
Chegou à beira da água, pés sentindo a espuma fina do final das ondas. Fina, leve, como o carinho suave no despertar. 
Caminhou com força, coração descompassado. 
Aiiii, esquecer a contenção, beijar mais forte, apertar com muita força o corpo dela junto ao seu, invadir sua boca, seus pedaços, suas entranhas. Tomar posse, possuindo-a até desfalece-la, assim, como se esta palavra existisse, como se fosse possível largar todas as amarras e extravasar o que queria, como queria, ai como queria! 
Entrou no mar e ficou boiando sem conseguir parar de pensar. Sem conseguir parar de querer, de imaginar... 
Um dia, pensou...um dia, sim, um dia... 

Vinhedo 17/3/2012


Tudo a ver
No teu rosto
competem mil madrugadas.
Nos teus lábios
a raiz do sangue
procura suas pétalas.
A tua beleza
é essa luta de sombras
é o sobressalto da luz
num tremor de água
é a boca da paixão
mordendo meu sossego.
Mia Couto em "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"

segunda-feira, 19 de março de 2012

Amarelo

Os ipês estão floridos! 
Flores amarelas jogando luz no caminho ensolarado da manhã de sábado.

Ipês amarelos, nos caminhos quentes do norte, no quadro na casa da fazenda, na paisagem da cidade, na parede da sala aconchegante, na avenida da cidade grande, na estrada que  leva para longe, bem longe.

Ipês, no parque onde o menino passeava seu cachorro, no jardim do homem muito alto, na rua estreita da infância.

Os ipês estão floridos, os ipês estão floridos!
Chegam como mudanças alegres, bem vindas, novidadeiras. Trazem brincadeiras e leveza em dias cheios de cor.



Os ipês estão floridos, ele disse. Venha ver. 
Correu e então riram, juntos, da alegria de ver os ipês cheios de flor, cheios de cor, da alegria do rir juntos que o ipê lhes deu.


Os ipês estão floridos.
Sente- mo- nos à sua sombra, de mãos dadas, olhando o fim de tarde que surge na beira do rio, na frente do mar, no outro lado da avenida, na luz que bate nos carros rápidos, no alto da montanha.

A vida pode ser  leve e simples, à sombra de um ipê florido.


Os ipês estão floridos, venha logo.
Há um ipê florido dentro de mim.


Vinhedo,17/03/2012 

sexta-feira, 16 de março de 2012

Torto, torto, muito torto

Sabe um dia torto em que tudo esta torto e você se entorta? 
Quando parece que o mundo só fala o que você não quer escutar 
e só escrevem o que você não gostaria de ler? 
Já aconteceu de você querer escutar uma musica e bem aquela, bem nela, o CD estar arranhado? 
E por que será que os arranhões só aparecem no dia torto em que você esta torto?
Sabe quando você tem vontade de comer uma comida e bem neste dia está insossa e sem sal? 
E quando você pensa o que vai dizer, diz com cuidado, mas percebe que não conseguiu passar a mensagem? 
Sabe quando você sente uma irritação que vem do âmago? 
Aquela coisa que vem de dentro e toma todo o seu corpo e você até respira com dificuldade? 
Então a coisa ultrapassa o ponto de equilíbrio e não há nada que pudesse consertar.
Um desacerto geral, um torto total, um tortume sem igual.


Tita 16/03/2012

quarta-feira, 14 de março de 2012

Tocaia

Não sei os anseios da tua mente,
desconheço os tremores do teu corpo.
Não percebo os pensamentos que te ocupam,
nem decifro teus desejos escondidos.
Apenas espero, em ansiedade muda.
Como caçador escondido, aguardo que levantes voo.

Tita


Tudo a ver
"...se encontrar um belo movimento dos corpos, na falta de uma bela idéia para o espirito, então talvez  pense que a vida vale a pena ser vivida."
Muriel Barbery em "A Elegância do ouriço"

terça-feira, 6 de março de 2012

Cria



Tratava o que ainda não era
como se ja fosse
e, por não ter ainda sido,
o inventava
conforme seus desejos
e necessidades.
Então mergulhava na sua invenção e a vivia,
num mundo criado,
de fantasia.
E nela acreditava
e através dela historiava.
Mas pena...
só via sua propria cria
que na realidade do todo,
não se inseria.

Tita


Tudo a ver
"I go back and forth
Within the skies
Constantly, for
From the mountain where I make my home
The wind blows too harsh and strong."
Ariwara no Narihira

sexta-feira, 2 de março de 2012

Possibilidades


Não poderia lhe dar flores, pois que pressupunham fraquezas e, os espinhos, poderiam machucar.
Talvez devesse lhe dar uma ancora para que se prendesse e evitasse o mergulho impensado ao qual queria aventurar-se.
Uma corda para o resgate?
Poderia oferecer lençóis limpos que acolhessem após o cansaço da luta,
chaves para a libertação definitiva da obsessão ou, ainda,
um mapa para que pudesse  visualizar a infinidade de  caminhos possíveis.
Palavras de esperança...
O que mais poderia lhe dar?

Tita 02/03/2012