
Como assim?
Então tenho que ficar grudada nele o dia inteiro? E o que vai ser da minha vida, minha carreira, minha realização, minhas coisas? E eu? E eu? Como podia dizer uma coisa dessas? Entrei em parafuso.
A partir daquele momento, tudo o que ele dizia era como uma flecha certeira dirigida a mim. Me esquivei. Ele pensa que me pega!!!!
Fiquei arredia e, sem explicações, passei a trabalhar em dobro. Não vou deixar que ninguém me coloque numa situação de dependência! Porque não deixa ele de fazer as viagens que precisa, de trabalhar até tarde e de se meter na minha vida? Porque? Não poderia ter me dito uma frase mais terrível.
Tentou se explicar. Não foi neste sentido, eu só queria ficar mais tempo com você, eu gosto da sua companhia, eu te quero tanto!
Depois da luta para conseguir uma posição, iria eu regredir a este ponto de ficar seguindo os passos dele? Não, eu não!
Não precisa ficar grudada em mim, não é isto, disse ele! Por favor, não me entenda mal!
Ele pensa que me pega?
Aceitei novos desafios, dobrei o numero de viagens. Tinha de mostrar a ele que a empresa precisava de mim, eu era importante, eu não precisava dele. Eu, mulher incrível, moderna, executiva, inteligente. Eu!
Ele, continuou sua vida, seu ritmo, seu trabalho mas aumentou seus momentos tranqüilos em casa. Eu, estava ali cada vez menos.
As leituras lado a lado no sofá não mais aconteciam, o escutar das musicas de nós não mais fazia parte das noites. A frase tinha sido um marco em nossas vidas, uma decepção.
Ele sabia. Talvez por isso, nos poucos momentos em que nos encontrávamos, ele nada dizia.
Ele sabia! Apenas me olhava.
Pensa que não percebo o olhar de recriminação? Pensa que não percebi no que você quer que eu me torne?
Eu ia provar a ele, eu ia dizer a ele, eu ia mostrar a ele. E quando visse de tudo o que eu era capaz ele se recriminaria para sempre pelo que tinha pensado em fazer com nós dois.
Imbuída desta força fui em frente, sem vacilar, sem descansar, sem parar. Será que ele ainda pensa que me pega?
Numa noite de primavera cheguei mais cedo em casa. Tudo quieto demais. No quarto, portas abertas e o armário vazio. A escova de dentes, o barbeador, o roupão atrás da porta, tudo se fora. Ele se fora.
Deixei meu corpo cair no sofá e meu olhar perdeu-se estático, no vazio. E agora?
Estranhamente, fui assaltada por uma sensação de paz. Tomou meu corpo, esquentou meu coração, e meus lábios sorriram como há muito não acontecia. Abalada compreendi.
Ele sabia!
Inconscientemente eu planejara este desfecho e viver longe dele fora, desde o inicio, meu único objetivo.
Peguei o telefone, desmarquei a viagem do dia seguinte e comecei a planejar minhas férias.
Publicado no jornal O estado de São Paulo em 19/07/2008