
Ao lado do presépio, três cadeiras. Numa delas a que espera as crianças, na outra a que se preocupa para que não falte presente para nenhuma no saco do papai Noel e na terceira a que, mesmo com dificuldade, falta de ar e muitas dores, nunca faltou.
Sempre presentes as três, com os cabelos a cada ano mais brancos, com as estaturas cada vez menores, com as mãos trêmulas, o andar vagaroso, acompanhadas uma por uma bengala, a outra por um cilindro de ar, mas sempre lá, reconhecendo a todos, conversando com todos, recebendo a todos com um beijo e um presentinho de natal.
Assim tem sido desde sempre. Desde os natais de nossa infância, desde as passagens de ano na Alameda Jaú, desde quando nos reuníamos nos almoços de domingo.
Através delas nos unimos e é por elas que todos os anos separamos mais de noventa pratos, copos e talheres e organizamos nossa festa de natal.
Olhando-as, tememos a cada ano que um dia uma delas nos faltasse e pedimos que nos mantivessem unidos e bons, e pacientes e compreensivos como sempre o foram e nos ensinaram.
Com elas aprendemos a força da perseverança e através delas nos compreendemos e perdoamos nossas inúmeras falhas prometendo sempre a nós mesmos não deixar nunca de nelas nos espelhar.
Porém o dia de ontem chegou (o que acredito já estava escrito, mas por que são assim escritas estas coisas?), e a partir de então nossas vidas não serão mais as mesmas, nossa festa não terá o mesmo sabor e as crianças deste natal saberão que é preciso crescer porque mesmo os mais fortes não estarão ali para sempre.
Neste ano não teremos mais três cadeiras ao lado do presépio no natal.
Uma delas, a que menos falava e mais observava e por observar tudo sabia, nos deixou.
Com ela levou um terço de nossa força, de nossa alegria e de nossa festa de natal.
Tita – 29/11/2009
Tudo a ver
Primeiro, nenhum sentimento me doía.Depois, fui sentindo a dor.
Agora, dói-me sentir.
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Ser novo é estar longe de tudo e tocar o que se sonha.
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Ter idades é estar perto de tudo e não tocar
senão esse turvo espelho: saudades
Mia Couto em"A dor e o tempo" - idades cidades divindades