
Fim de tarde, quase noite, deitaram-se na grama do jardim, olhando o céu.
Se eu pudesse definir, definiria que tudo ia ser como o inventado.
Como assim?
Inventado. Unindo todo o melhor de cada uma das invenções mais bem pensadas.
Tipo inventos?
Não! Tipo sonhos, criações, esse tipo.
Ah!
Ele pensou que ela era bem confusa para explicar as coisas, mas nada disse. Ficaram quietos. Ela tirou o tênis e as meias. Ele olhou os pés dela. Gostava dos pés dela, achava bonitos. Resolveu retomar a conversa (sabia que ela gostava desse tipo de conversa).
E o que você ia querer que fosse como o inventado?
As coisas que eu imagino, as pessoas, a vida alegre, o viver colorido...
Assim como um viver de aquarela pintada, cheia de cores?
Assim mesmo. Cores leves, cores alegres, cores felizes, nada de tensão. Sabe como?
Eu sei. Eu entendo aquarelas coloridas. Você entende? Entendo. Ela gostava disso nele. O entender das meias palavras e das coisas etéreas. O acompanhar da imaginação multi facetada que ela podia ter. Olharam o céu, o dia terminando, o céu avermelhando.
Minha avó dizia que quando o sol se põe vermelho é porque no outro dia vai ter sol.
Que bom, amanhã vai ter sol!
Bom.
Vez em quando eu acho bom sentir frio.
Eu também acho. Se tiver lareira no quarto eu gosto mais ainda...
Você já dormiu em quarto com lareira?
Eu já. Você não?
Não.
Ah...Eu já.
Ele detestava o tanto de coisas que ela conhecia, o tanto que já tinha feito, o tanto de vida que tinha vivido sem ele. Enciumava, ficava remoendo, entristecia.
Você já fez muitas coisas
É, mas cada uma das coisas, mesmo igual, é diferente da outra.
Sei não. Como é que igual pode ser diferente?
Lá vinha ela inventando de novo. Havia momentos em que era cansativo procurar entender os rodeios da cabeça dela. Havia momentos em que desejava que ela fosse mais comum, mais previsível e ainda, havia momentos em que gostaria de poder ser, ele mesmo, comum, repetitivo, normal.
É sim. O acontecido igual nunca é igual e nem gera sentimentos iguais.
É? por que será?
Porque se você olhar o mesmo com um olhar de época diferente, você vê diferente e o corpo reage diferente e você sente diferente. É assim.
Ah...como quando a gente come sorvete de chocolate igual mas de marca diferente.
Pronto. acabava logo com as voltas que a cabeça dela dava.
Credo! Nada a ver!
Que raiva sentia quando ele se fazia de bobo, fingia que não entendia, queria por um ponto final nos caminhos dela. Sempre acontecia quando ela estava achando tão bom tê-lo ao lado, alguém com quem podia dividir imaginações.
Como assim nada a ver?
Eu falo de gente, de sentimento diferente em vida igual e você fala de sorvete?
Desculpe, lembrei de sorvete.
Ta vendo como é difícil conversar?
Ficou quieta, olhou o céu, pensou em embarcar em uma daquelas estrelas, imaginou que a estrela se transformaria em barco, ela remaria leve, quebrando as nuvens, a imaginação dela podendo correr solta. Nem ia leva-lo, ele não acreditaria que é possível viajar em estrela, estrela virar barco, imaginação viajar...Sem duvida quebraria o encanto, o barco despencaria, ela teria de descer e mudar o rumo dos pensamentos, voltar à realidade. Por que ele fazia isso?
Você só pensa em sorvete!
Penso? Deve ser porque quando penso em sorvete lembro de coisa boa, sensação de fresco, gelado...
Você gosta de morder ou de lamber sorvete?
Gosto de lamber você.
Ai, como assim? Eu nem sou sorvete...
Esquece o sorvete! Assim de leve, seu pescoço, seu ombro...
Você gosta de lamber abraçado?
É, abraçado.
Num impulso, encostou os pés nos pés dele, chegou mais perto já se esquecendo das bobagens que ele as vezes dizia. Lembrou-se de que tinha tirado o tênis e as meias. Sabia que quando ele olhava os pés dela, pensava em abraço, beijo, coisa boa...Vai ver era por isso que interrompia as viagens interimaginárias que ela gostava de fazer, vai ver era por isso que falava bobagens. Não fosse interrompida assim, será que fugiria do mundo de uma vez?
Sem beijo?
Não, com beijo! Entremeado.
Me mostra?
Você disse que sorvete não tinha nada a ver, então lamber também não tem.
Tem sim.
Você acha mesmo?
Acho sim.
Assim?
Assim!
Tita - São Paulo, 29/01/2010