sábado, 30 de agosto de 2008

Capeta

Tenho medo de alma do outro mundo, de espírito que vem visitar, medo de praga e de escuro. Não passo embaixo de escada nem encosto o copo antes de dar um gole depois do brinde. Não passo saleiro de mão em mão, não tenho nada do mar que não esteja vivo dentro da minha casa. Escolho o anel ou brinco que vou usar de acordo com a maneira como me senti na ultima vez que usei. Roupa usada em dia nefasto, não uso nunca mais e não compro carro que tenha o numero 4 na chapa. Incoerentemente, gosto do número 13 e das sextas-feiras com este número. Tenho uma incoerência que me acompanha em cada crença mas não sou uma pessoa incoerente. Minha incoerência é perfeitamente coerente. Por isto nem pronuncio a palavra titulo deste texto. Nem vou escrever de novo. Só escrevi porque era um titulo e não tinha nada a ver comigo. Está lá, em negrito, descolada de tudo. Deixo lá. Não penso nele, se pensar não durmo de noite. Não quero saber, não entro no assunto, desconheço, ponho uma pedra em cima. Por via das duvidas, vou colocar uma cruz de prata numa correntinha e no meu pescoço, antes de dormir. Quem pode garantir que não existe? Eu heim! 7/02/2008

Janela

Vejo a família reunida no prédio vizinho. Em volta da mesa, conversam, riem, andam para lá e para cá. Na sala, no outro apartamento, um homem recostado no sofá, parece que assiste televisão. O que pensará, recostado tão confortavelmente? Será que se sente abandonado ou fica feliz pela mulher estar ocupada no quarto ao lado, esquecida dele? O que estará escrevendo no computador o jovem do quarto azul? E aquela mulher no apartamento abaixo, será solitária e triste ou estará feliz com a solidão? Deve ter alguém. Sempre há alguém, na existência dos outros. A vida parece sempre muito interessante através das janelas dos prédios vizinhos. Acredito que sempre fazem coisas interessantes, vivem vidas ímpares, descobrem novas coisas. Eu, fico sempre aqui, olhando o mundo pela janela. 27/03/07

Fuga

Este momento deveria durar todo o tempo.
Esta paisagem, este sentimento,
esta plenitude que toma conta de todas as coisas,
esta paz que deveria manter-se,
plena e sempre,
acompanhando todos os acontecimentos.
A natureza, com este colorido forte,
os aromas que se misturam,
os sons tranqüilos deste pedaço em que me encontro.
Deveria.
Deveria durar o tempo todo.
E não, teimar em ir-se embora.
E não, unir-se a todo o resto e,
rápido como a vida,
estar sempre em fuga.

 21/03/07

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Encanto

Desconecta-se o mundo real e então se estabelece a luz difusa nos olhos. 
O corpo em acorde destoante, o cérebro em escalas rápidas, as sensações, em pizzicato. 
Procuro solfejar em ritmo,
 a-cal-mar e quatro,
 um e res-pi-rar, 
des-can-sar e quatro, 
Ca-de-eu e quatro 
e solfejando desconecto a mente e respiro fundo 
e canto em acalanto e alto em contralto 
e canto tanto que me encanto. 
Feito cobra.
29/08/08

Calor

Lembro-me do quanto era quente.
Nada aliviava aquele calor.
Nem os banhos de rio ou de piscina,
nem a bebida gelada,
nem a sombra das árvores frondosas.
Além disso havia um desassossego na alma, que tomava conta de todos os momentos.
Quando chegava a noite, o vazio se apossava.
A solidão na casa grande, durante o acompanhar do sono das crianças.
O barulho de silêncio.
A falta de música.
A certeza do fracasso que, em forma de flecha teimava em enterrar-se,
ferindo, sangrando, cada vez mais fundo.
Houve um tempo em que pensei nunca conseguir ir embora.
Pensei que lá definharia, pouco a pouco, consumindo-me naquele calor.
Foi preciso muito esforço.
O mais estranho é que hoje o esforço é o de me lembrar do acontecido e escrever sobre este assunto.
Porém a flecha, talvez esteja lá dentro até hoje.
Porque de vez em quando teima em cutucar e me fazer realizar que
o desamor, o desafeto e o desmoronar dos sonhos, foram possíveis um dia.
E o pensar que se foram possíveis poderiam repetir-se, faz com que eu abra o peito,
arranque a flecha a todo o custo,
nem que rasgue,
nem que doa,
nem que mate.
Com ela aqui, não fico mais.
25/10/2006

Abstração

Escrevo sem pensar. Como uma força que puxa meu centro de baixo para cima.
Sou levantada pela cabeça e lá embaixo só as mãos a dedilhar as teclas.
Deve ser alguma onda de energia.
Provavelmente cruzo alguma dimensão e sinto sensações diferentes enquanto os dedos correm e correm, sem que eu sinta o dedilhar.
Estou só neste espaço, apesar de saber que a minha volta existe movimento. Aqui, só o barulho do silencio que em tudo se imiscui e toma conta da minha capacidade de escutar sons e de ter pensamentos lineares.
Estou voando pelo buraco de todas as almas e pelos neurônios de todos os cérebros, procurando uma morada.Vou descansar em algum riacho suave e olhar a natureza.
O corpo vai ficando leve. Difícil continuar a dedilhar. Torno-me uma massa mole, sem controle.
Só os dedos pertencem a alguma coisa nítida.
O corpo vai se esticando e fazendo curvas e não tem mais forma nem começo e nem fim. Só as mãos é que se encontram no mesmo lugar, sempre. Isto enquanto não largarem o teclado...
Não podem largar o teclado! Porque se o fizerem o corpo vai se desfazer, se desprender e se desgarrar no espaço misturando-se com o ar e com este barulho de silencio.
Preciso não parar de escrever para manter minha vida na terra mas é difícil porque o fluxo dos pensamentos as vezes torna-se mudo e os dedos querem parar.
Preciso continuar a dedilhar e trazer o corpo de volta.
Trazer o corpo de volta.
Antes que ele se vá.
10/12/2004

Verso

Perdida de sentimentos
descabeço-me em sonhos turbilhão,
 momentos. 
Rodamoinho sensações desconecto-me, 
irrealidade, emoções. 
Com assiduidade despeço-me da normalidade
caem-me as folhas 
desnuda-me a alma. 
Em meu corpo nu (tão nu) 
horas incertas ansiedades despertas
perco a calma acende-se a chama.
Atiro-me e vou 
sedenta que sou
só toque sem som
só isso, sem tom 
recuo medrosa 
sou verso, sem prosa. 27/06/08

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Receios

São tantas as coisas que penso, se você soubesse... 
Tantas decisões tomadas, ansiedades pensadas, se você soubesse... 
Tantos os entristecimentos, as impossibilidades, se você soubesse... 
Se soubesse como vejo a coerência inexistente se você soubesse... 
Se soubesse como um sorriso seu me alegra e como seu sorriso me entristece, se você soubesse... 
Se soubesse como fica meu coração a cada afastar que deixo transparecer e como perco a energia a cada vez que você me chama e eu repito não, e não, e não. 
Se você soubesse... ah se você soubesse...
Se você soubesse como me é cara a sua companhia e como me falta de mim o que não lhe posso dar. 
Se você soubesse...
 Se soubesse meus receios, meus anseios, se você soubesse... 
Se você apenas soubesse!


28/08/2008

Roça

Eu já morei na roça.
Onde os dias amanheciam vermelhos no horizonte.
O galo cantava e Manoel carreiro chamava os bois de carro, o ranger das rodas enchendo o silêncio do dia que nascia.
Bezerros choravam apartados das mães que nos davam leite e os carneiros se assustavam quando o rebuliço do dia começava. Bééééé....
Calor. Muito calor durante o correr das horas de sol.
 Hei boi! Vira boi! Lá vinha o gado para ser vacinado no curral. Coloca no tronco, vacina no cupim, cuidado com ele! Aparta, esse prá cá, aquele prá lá. Conta, re-conta. Faltou! Será que algum morreu “de erva”?
 Eu já morei na roça. Onde cresciam o colonião e a brachiária e o cavalo Mangalarga me levava sem trote prá ver a queimada no pasto.
Morei onde tinha jagunço, briga de faca, água no sangue e arca caída.
Onde comia-se frango caipira ensopad,o na casa de babaçu, panelas brilhando, gente feliz de tão simples, areia branca no chão. A hospitalidade na simplicidade, nunca vi igual.
Morei onde gente simples era bem melhor do que eu.
Morei na roça. Onde o fim do dia mostrava de novo o vermelho no céu, prenuncio do mesmo sol no dia seguinte e mais no outro.
Barulho lá longe do gerador que acendia a luz, televisão à bateria, água quente vinda da serpentina do fogão de lenha, geladeira à gás.
Depois do banho quente no refrescar do fim de tarde, descanso na rede. Hora da saudade e da solidão.
Profusão de estrelas. Acho até que vi uma que caminhava, outra que não parecia estrela, o que seria? Peço logo um desejo, seja lá o que for.
Eu já morei na roça Onde o violão rasgava a tristeza e, dedilhando no vazio, contava de uma vida longe, que me chamava de volta e me queria de novo.
Eu já morei na roça.
Hoje, não moro mais.
 14/06/2007

Intimidade

Beijamos tanto, mas tanto que as bocas doeram. Ainda assim, queríamos beijar mais. 
Há beijos que transtornam, tiram do ar, arrancam a alma do corpo que sem alma nem pensa, quer mais, nem sabe o que faz. E se tornou impossível parar de beijar. 
Amamos tanto, mas tanto, que os corações doeram. Ainda assim, queríamos amar mais. 
Há amores que transtornam, tiram do ar, arrancam a alma do corpo que sem alma nem pensa e segue o amor e quer mais, sem saber o que faz. 
Sofremos tanto, mas tanto, que entramos em vácuo. Ainda assim, teríamos sofrido mais. 
Há sofrimentos que nos transtornam, arrancam a alma do corpo que sem alma fica só o buraco que o sofrimento traz. 
E então nossos limites se mesclaram. Nossa intimidade se perdeu e ainda assim, nos mesclamos mais e nos seguramos tanto, e foi tanto o um do outro tomar, que nos perdemos tanto, mas tanto, que foi impossível nos re-encontrar. 


28/08/2008

Zonzeira

Boca doce, oce...
Corpo detonado,
cabeça divagando
cabelo desgrenhado.
Dia amanhecendo,
me deixa assim, im...
Não mexe comigo, oooo....
Não quero acordar, ar ...
Corpo levanta, espanta!
Tem hora pra tudo.
Cadê você? Quem?
Tava aqui? Aí? Ali?
Rodopio sem nexo,
me jogando de lado.
Volta à razão? Eu fujo!
Me deixa, assim, largado!
Pensamento voando, ando....
Sensação do inacabado.
Quarto rodopia, ia?
Aonde? Futuro? Passado?
Sei não se quero ir,
ir ou não embora, ora...
Visitar o desbravado.
Não me diz o que fazer, correr...
Não quero premeditado!
Me deixa tonto, onto, onto....
Assim desgarrado, deixado!
Tão tonto, tão leve, eve, eve....
Eu to embaralhado!
Quando eu for eu digo, igo....
Se quero alguém ao lado.
Só sei que se eu for, oooo se eu for ....
Vou ir um Ser alado,
e na volta com ou sem torpor, rrr
vou ser Ser impensado,
renovado! ado...ado...ado........
17/09/2007

VALSA

Bom é conhecer lugares, pessoas, entrar em diferentes águas, ouvir outras músicas. Comer comidas diversas, escutar vários sotaques, inferir idéias inusitadas. 
Bom é relaxar ao sabor do vento, deitar em lençol macio, acordar e dormir sem hora. Respirar profundamente, fazer gestos largos, ocupar espaço. 
Bom é ser parte de todos os lugares, sentir-se acolhido sempre, encontrar braços abertos. Entregar-se a abraços confortantes, retribuir sorrisos de encorajamento, dividir pensamentos sérios e tolos. 
Bom é beijar beijos bem vindos, fazer carinhos sinceros, mergulhar em olhares cristalinos. E repetir, repetir sempre e muitas vezes o que houver de bom. 
Só assim a vida se torna leve, solta e cheia de rodopios, como uma valsa. 23/10/2007

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Homenagem à poeta amiga, Sylvia Loeb, que escreve ha muito tempo mas não se divulga...

Temos procurado Sylvia e eu, em desafio mutuo, escrever alguma coisa a quatro mãos que, algum dia, publicarei aqui. 
Abaixo a criação de Sylvia (dentre as dos ultimos dias a que mais gostei), com o mesmo titulo de meu ultimo texto. 
DESPEDAÇADO 
Um pedaço de pão para calar a fala
Um pedaço de raiva onde escrevi um bilhete 
Um buraco de céu para escapar daqui 
A fumaça de cigarro que engoli 
Todos pedaços dentro de mim 
Despedaçados 
Sylvia Loeb 26/08/08

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Despedaçado

Escutando Elvis Presley. 
Descobrira o Elvis romântico, cheio de molejos, acordes profundos, musica envolvente.
Corpo arrepiado. 
Escutando Danny Boy, emocionou-se. Lembrança de noites gostosas... All the roses dying.....and I’ll be here in sunshine or in shadow, oh Danny boy, Danny boy I love you so........acordes de piano, bebida, conversa… Tudo já ido. 
A vida vinha assim por momentos, ha algum tempo. Momentos que nunca completos, acabavam por se quebrar antes da hora. Pedacinhos, que não se juntavam em conforto duradouro, em entrega possível. 
Pedaços de natureza que nunca formavam paisagem, pedaços de conversas que nunca formavam um conto, pedaços de lugares que nunca faziam o aconchego, pedaços de sentimentos que sempre definhavam, pedaços de pessoas que nunca faziam um todo. 
Havia de se acostumar com isto? Não sabia.
O que queria mesmo era algo que envolvesse a ponto de transformar lugares em aconchego, conversas que fizessem futuro, sentimentos que crescessem, pessoas que somassem, entrega em paz. 
Era o que queria. 
Enquanto isso caminhava devagar, equilibrando-se sobre os pedaços da recorrência do seu viver despedaçado.
26/08/2008

Chusma de palavras

Naquele verão, para que nunca mais eu não soubesse o que dizer, você resolveu me ensinar palavras. 
Com paciência, buscou a cada dia uma palavra nova. 
Queria que as palavras dadas me sensibilizassem a ponto de nunca mais esquecê-las. 
Você sempre soube que eu só aprenderia as coisas que fizessem muito sentido para mim e você precisava ter sucesso na tarefa a que se propôs. Ter sucesso é até hoje imprescindível para a sua felicidade. 
Foi assim que começamos a nos encontrar todas as tardes. Você trazia uma nova palavra e conversávamos sobre todas as possibilidades de usá-la e de nos expressar através dela. Rimávamos a nova palavra, escrevíamos, repetíamos, mudávamos as letras de lugar, testávamos as possibilidades de pronúncias e sons. 
Aprendi com você que a tonalidade das palavras é que lhes dá a devida importância. Através de seu tom, diferentes propósitos podem ser atingidos. Começamos a agrupar as novas palavras conforme o som. Desenvolvemos a teoria de que deveriam ser classificadas segundo a escala musical. 
As palavras “DÓ” deveriam ser usadas em momentos de tensão enquanto que as palavras “FÁ”, transmitiam carinhos e atenções. As “SÍ” só deveriam ser pronunciadas ao descrever sentimentos profundos e as “RÉ” em ocasiões de impaciência. Quanto às palavras “MÍ”, seu uso era restrito e deveríamos ter cuidado ao pronunciá-las. Poderiam magoar quem as escutasse. Tornamo-nos mestres na classificação de palavras e no sentido dos sons. Tornamo-nos mestres na precisão com que conseguíamos transmitir nossos pensamentos mais profundos.
Quanto a mim, que outrora tinha tanta dificuldade de falar, tornei-me exímia na capacidade de expressão. 
Com o tempo, eu entendi. Dar-me palavras foi a maneira que você encontrou de me presentear com algo que se tornaria parte de mim. Ao tornarem-se as palavras inseparáveis do meu todo, tornariam você, por tê-las dado a mim, inseparável também. 
É por isso que por mais que nossos caminhos se desviem e o tempo teime em nos pregar peças, acabamos sempre nos reencontrando. 
Só quando estamos juntos nossos sentimentos e expressões conseguem nos dar a alegria de fazer sentido.
11/10/2004.

Orfã

Sinto-me órfã do teu corpo,
 das tuas palavras,
do estar perto de ti.
 Órfã do carinho aconchegante,
do beijo incomparável,
do gozo seguido do riso leve e alegre.
 Sem você estou órfã,
de sentir.
 08 de setembro, 2000

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Esboço

Pensava o futuro de várias maneiras, matutando possibilidades, inventando caminhos, prevendo finais. 
Pensou a linha do tempo, em que definiria acontecimentos e estes se realizariam conforme o previsto. 
Ficou tão imbuído da idéia da pré-visão certeira, que decidiu detalhar cada passo que um dia daria, em todas as suas minúcias e possibilidades. Fechou-se em si mesmo e, para iniciar, definiu que só se abriria para o mundo quando os detalhes futuros estivessem vistos, revistos e sacramentados na linha do tempo de sua carta de vida. 
Durante anos trabalhou no rascunho que seria passado a limpo depois de pronto. Morreu ontem. 
Da vida, viveu só o esboço, nada mais. 
25/08/2008

Beleza

Andava na praia sozinha Mergulhada no por do sol
Mergulhada em pensamentos
Até que no mar mergulhava.
E ali a água envolvia
A água lembranças trazia
A água acariciava.
Devagar ia-se o sol Enquanto na água planava
Devagar ia-se a luz Enquanto sozinha nadava.
E quanto mais relembrava Menos sozinha ficava
 O banho relaxava A vida revivia O sal purificava.
Eu de longe a olhava.
Que linda, que linda ficava
 Enquanto o sol se ia
Enquanto sozinha nadava.
Eu ao lembrá-la sofria Quando de longe a olhava
Pois que já sabia
Seu corpo não abraçaria
E não mais envolveria
A ela que tanto amava.
  30/10/2006

Azul

Quero refugio, aposento, caverna.
Parada, inércia.
Quero imobilidade de movimento e pensamento.
Freio de palavras, silencio de cérebro, compasso de espera.
Breque, ponto, parênteses, momento mudo.
É isso que quero.
Então, aos poucos e muito devagar, retornar.
Pensamentos calmos e certeiros, sorriso fácil,
notas musicais ao longe, corpo que acompanha.
E então abrir os olhos e enxergar o azul.
20/08/2008

domingo, 24 de agosto de 2008

Agora

Porque você não me devora agora?
E me consome, me toma, me absorve,
me molha como a chuva lá fora?
Porque você não me come nos becos,
nos cantos escuros,
no meio da rua?
Porque você não perde a vergonha de fato
e o medo, o senso e some comigo e me esconde,
 me afoga de tanto prazer?
Porque não me mata, me desacata,
me desalinha toda e me deixa saciada,
plena e repleta de você?
 Vai, cria coragem, se arrisca, se supera,
me leva embora Agora!
Agora!
 21/08/2001

Agenda

Cismo em manter seu nome na minha agenda, não sei porque. 
Provavelmente o telefone não existe mais, talvez nem mesmo o endereço ou o local de trabalho. 
Porém ano após ano, lá está você que me acompanha mudando-se para a agenda do ano seguinte, para o novo celular, a nova bolsa, a mesa de trabalho, sempre ali, sempre comigo. 
Manter sua sombra rarefeita já perdeu o sentido e mesmo assim, quando penso em deletar, não tenho coragem. 
Deve ser porque você foi coisa boa, que preencheu e fez crescer. 
Deve ser porque com você me senti o meu melhor. 
Não deleto. 
Deixa lá. 
Para que eu me lembre que é possível. 
E para que, ao olhar o que ficou de você, eu possa sempre sorrir.
31/03/2008

Rompimento

Atou as duas metades com bastante força. 
Uma delas teimava em escorregar.
Pegou então um barbante firme e deu várias voltas no fio, segurando as partes coladas uma a outra. 
Quando voltou, estavam separadas de novo.
Passou cola, colocou um peso em cima. 
Não deu certo. 
Com raiva, sentou-se na metade de cima e ficou lá durante mais de uma hora. 
Nada. 
Comprou cola mais potente, amarrou novamente. 
As metades teimavam em não se juntar.
Então uniu novamente as duas metades com a cola e prendeu-as firmemente com várias voltas de um fio de arame bem grosso. Pronto, agora não se soltariam, pelo menos enquanto estivessem presas com o arame. 
Cansada, deitou-se e adormeceu. 
Foi acordada por um estrondo. 
Coração disparado, saiu pela casa procurando saber o que acontecera. 
Então viu. 
As metades envoltas no fio de arame haviam caído de cima da mesa. 
O fio continuava intacto mas as metades haviam-se rompido em várias partes. Transformadas em quase pó, espalhavam-se pelo chão.


5/08/2008

Uma mesa ao ar livre

Naquele dia resolvemos nos comportar como duas crianças sem compromisso.
Ainda não nos conhecíamos bem e como a conversa ia cada vez mais gostosa, fomos nos encantando e querendo ficar juntos mais um pouco, mais um pouco e só mais um pouco.
Você dirigindo, nós dois cantando, a estrada entremeada de curvas, sombras e sol.
 Paramos para comer em um lugar pequeno, que tinha uma mesa ao ar livre, embaixo de uma árvore.
Comida boa, brisa leve, barulhinho de água...
 Jamais me esquecerei de você naquele dia e do quanto rimos e do quanto nos descobrimos mais interessantes, mais diferentes e mais bonitos do que pensávamos.
Foi como renascer.
No primeiro abraço, um tremor percorreu todo o meu corpo e você emudeceu.
A cada encontro, a necessidade de estar perto e de sentir nossos corpos aumentou e aumentou, ininterruptamente.
O que se seguiu ficou tatuado em nossas peles, ouvidos, bocas e corações,
para sempre.

 07 de outubro de 2004

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Extrapolando

De vez em quando caio em inatividade total.
Que o mundo gire como quiser, que trombe, revire, escarafunche, transborde, inunde, não me importo. Não me importo.
Então, como do nada, ressurjo com força total.
Sou eu, sou eu afinal.
Acariciada, compreendida, lamentavelmente só, querida, desejada, plena, estabanada, desajeitada, esperta ou tonta, engraçada, insensata, muda, rindo, frágil, exagerada, pequena, alegre, louca, ENORME, incontida, abandonada e re-apanhada, feliz ou não, sem jogo, sem mascara, sem matiz ou colorida, sou eu, sou eu.
Extrapolando, extrapolando, para todos os lados.
Todos!!!
SEM LIMITE.
08 de setembro, 1999.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Romance

Queria escrever um romance. Que prendesse a atenção, fosse inédito, criativo. Queria contar acontecimentos, descrever personagens e seus sentimentos de forma envolvente. 
Como seria bom viver de escrever. 
Eu me sentaria em uma sala moderna e gostosa, vidraça grande à minha frente desnudando um jardim de tons de verde e cores. Ao longe uma cerca baixa, convidando a entrar.
Imagino-me olhando os tons do jardim bem cuidado, música gostosa tocando a me embalar.
Minhas mãos dançariam sobre as teclas e eu comporia uma musica de palavras, escrita em vários movimentos, vestindo-me de cada personagem, sentindo como eles, agindo nos acontecimentos em alegro, moderato, forte ou staccato. 
Quando pronto, os críticos teceriam elogios, os leitores não veriam a hora de tê-lo e, ao ler, dançariam meus movimentos, escutariam minha musica e se sentariam comigo, aproveitando o calor do raio de sol que todos os dias entraria pela vidraça grande, trazendo luz, aconchego e calor a todos nós.


21/08/2008

Masculino

Decidido, toma a frente; Perspicaz, estabelece limites, define prioridades;
Previdente, entrega-me roteiros e rotas prontas;
Emocional, afirma-se sabedor dos meus sentimentos;
Equilibrista, acredita ter as respostas e não duvida saber as perguntas;
Íntimo, insere-se, apossa-se, define, estabelece.
Desbravador, marca terreno e planeja fixar placa de propriedade;
Espectadora, nada impeço;
Aprendiz, tomo nota dos momentos;
Sensível, abraço as emoções;
Curiosa, observo;
Só pra ver o que acontece.
20 de outubro de 2004.

Em setembro

Naquele mês de setembro você resolveu se cuidar. Anunciou a todos que ficaria um mês sem beber.
Tivemos que mudar nosso tipo de programa. Afinal, acabávamos sempre nos sentando frente a frente, bebericando na mesma mesa de bar.
A mudança foi um pouco complicada. Parecia que o assunto não vinha enquanto tomávamos chá.
Não encontrávamos mais a graça contida em qualquer frase ou a espontaneidade das coisas ditas sem pensar, das risadas por qualquer motivo.
Aos poucos nos descobrimos analisando todos as palavras, gestos e comportamentos. Surpreendia seu olhar fixo em mim, sem aquela doçura de antes.
De minha parte, comecei a achar seus gestos muito bruscos, suas frases sem profundidade. Quanto a você, de certo via pela primeira vez minha timidez escondida, minha falta de graça ao elaborar frases sem a outrora presente pitada de humor.
Há relacionamentos que seguem sempre um mesmo caminho e, quando mudanças são necessárias, a fase de adaptação pode não ser muito fácil e o resultado pode ser um final irreversível.
Conosco foi diferente.
Houve uma tarde em que decidimos colocar um fim àquele sentimento embaraçoso que começava a tomar conta de nós. Começamos a dizer tudo o que estávamos sentindo e as verdades que começávamos a ver um no outro. Não, você não era o homem mais perfeito do mundo, eu não era a mais bonita. Minha boca era até um pouquinho torta, você nunca havia notado; e aquela barriguinha, porque eu não começava a fazer uma ginástica? E você? Como eu nunca havia reparado que seus dentes estavam escurecidos pelo cigarro? Será que daria para não arrotar tanto, coisa tão sem cuidado quando na minha companhia? E porque, meu Deus, a fumaça do seu cigarro sempre tinha que vir exatamente na direção do meu nariz?
Acusações intermináveis. Não conseguíamos parar. Flechas ferinas durante várias horas. Feridas abertas, corações cheios de dor, vazios impreenchíveis.
Por fim lágrimas, cada vez maiores. Soluços, cada vez mais fortes.
Solidão a dois: a pior entre todas as espécies conhecidas de solidão.
Desamparo total.
Não suportamos ver sofrimento tão grande um no outro. Corrí para você e só eu sei o quanto quis nesse momento ser um ninho, uma fortaleza, uma proteção inabalável.
Você, já não sabia o que fazer secando minhas lágrimas com beijos e pedindo desculpas por tudo que havia sido dito. Abraços e beijos, carinhos afagos, nada do que acontecera era verdade, por favor vamos esquecer tudo o que dissemos. Beijos mais fortes, necessidade de fundir os corpos, paixão, palavras de muito amor, e enfim paz.
Cansados mas leves, resolvemos andar pela alameda florida bem em frente ao local em que nos encontrávamos, aproveitando o cheiro das flores e o aconchego reencontrado. Caminhamos felizes e nos sentamos na mesa de sempre, de todas as tardes e fins de semana. Você pediu um whisky com gelo e uma garrafinha de água sem gás.
Eu preferi tomar a minha cerveja long neck, sem espuma por favor.
  7/10/2004

Criação

Às vezes fica tempos sem vir. Não sei o que faz com que venha ou o que faz com que pare de vir. Algumas vezes cheguei a acreditar que fizesse parte de mim. Mas não. Durante grandes períodos, não está lá. Escapa-me. Não vem quando quero, só faz o que quer. Não deixa que eu me aposse e nem assuma o controle. Porém, de vez em quando,apossa-se de mim invadindo-me e tomando conta de todos os meus pensamentos. Como é bom quando me toma! Tudo passa a ter sentido e motivo, resultando em palavras escritas, que enfeitam e preenchem todos os meus espaços. Nada mais passa despercebido. Quando vem, jamais me sinto só. Completa-me, apóia-me e toma conta de mim. Nesses momentos posso finalmente abandonar minha fortaleza, enlouquecer um pouco, expandir meus mínimos sentidos. Quando vem, explode em mim, fazendo com que eu floresça, colorida. 06 de julho de 2005.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Em mim

Você em mim em abraço profundo. 
Num laço em enlace, 
a pertencer em êxtase de você e mim. 
Você a faltar sem mim
E eu em você a faltar 
ainda querendo e imaginando em você estar.
Imersa, dispersa 
a sentir e supor prazeres sem fim. 
A sonhar,
o momento completo do você em mim.
06/09/2000

Toalhas de papel

No Bar Holanda as cadeiras eram confortáveis e o chope era super gelado.
Eu costumava beber coca-cola mas você preferia o chope. Nós dois gostávamos do ambiente aconchegante.
Não era grande, era escurinho tipo fim de tarde e relaxante.
Trocávamos idéias sentados em frente um ao outro.
Você cantava mas não chorava. A sensibilidade ainda estava pouco desenvolvida.
Eu escutava, pensava, mas não falava. Deve ter sido então que você desenvolveu o hábito de falar e não escutar e eu desenvolvi o hábito de registrar meus pensamentos já que não os falava. Um dia, no Luar Paulista, sentamos na terceira mesa da esquerda depois da entrada, e você rabiscou na toalha branca.
Eu fiquei com vergonha e decidi que era melhor não sair mais com você, porque você rabiscava em toalhas.
 Tempos depois voltei ao Bar Holanda e rabisquei em uma toalha porque já então, achava que não rabiscar em toalhas era uma grande bobagem.
Hoje, colocaram toalhas de papel em todos os lugares.
Tudo culpa nossa.
  05 de outubro de 2004

Irreal

É só alma,
existe por momentos, como criação de imagens.
Não é palpável.
É a minha ilusão, minha criação suprema,
minha obra de arte, minha falta total de lucidez.
É meu momento de perfeição e minha vaidade.
 É etéreo, e se desmancha no ar, transformando-se em mil pedaços de cores
que rolam pelo arco-iris
até o pote de ouro que somente em fantasias,
um dia,
encontrarei

 19 de julho, 2000

Falta

Sinto falta de nossos corpos unidos da tua boca molhada e do teu sexo no meu. Vem! Entrega-te em mim e aplaca meu corpo que explode por ti. 11 05 2001

O príncipe

Se for para me ver refletida em um espelho humano, quero um reflexo que me diga que sou amada e querida, quero um reflexo que mostre minha imagem desejada, desejável, bem vinda e alegre. Não um reflexo que mostre, de mim, o que não quero ver. 
Acho que não mais vou me olhar no espelho, muito menos no teu espelho, humano. Espelhos andam traiçoeiros ultimamente. Não andam refletindo as verdades e andam querendo me dizer que existe, sim, alguém mais bonita do que eu em algum lugar. 
Não, eu não a procurarei. 
E não levarei a ela uma maçã envenenada, pois que não agüentaria vê-la com o príncipe depois que ele a acordasse do sono enfeitiçado.
Não vou levar a maçã.
Quem sabe assim, não haverá motivos para a ida do príncipe, e ele não irá.


dezembro, 1999

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Desencontro

O que te sacia me atiça,
o que te enternece me bole,
o que te faz rir me ascende,
o que te chateia me toca.
O que te afasta,
far-me-ia correr para ti.
18/06/2000

Sem Fim

Seus olhos, em mim.
Suas mãos, fingindo-se estáticas,
tocando-me maliciosa e escondidamente, 
leve. 
Seu jogo, de longe.
Meu jogo, ousado. 
Encosta-se.
Encosto-me. 
Afasta-se, mas volta.
Atração de poros, palavras, risos e corpos. 
Eterno imã que não perde a força,
jamais. 
29/06/2000

Tu?

Te olho e te falo mas não te consigo ver nem ouvir.
És tu? 
É assim que sempre me olhavas e nunca assim vi? 
E sempre assim eu te olhei?
Ou teu olhar me olhou de outra maneira e não da maneira que vi? 
Então teu olhar nunca me olhou como vi? 
Mas como pude tanto tremer e quase desfalecer quando me olhavas, se na verdade teu olhar inventei e na verdade o que vi só imaginei que vi? 
Se vi realmente, porque não mais vejo? 
Porque não mais vejo se já foi tão real? 
O que é real pode assim só de um sopro não mais real ser?
Mas então quem és tu? 
E quem sou eu em quem não mais confio pois estava tão certa de ver o que vi?
O que vi, se vi,jamais chegaria a não mais ser visto. 
E como nada mais vejo,que olhos são esses que uso mas não são os meus? 
Não, esse não és tu 
e essa não sou eu.

Tita 13/03/2000

Explosão

Explosão de risos, de vontades, de cores. 
De liberdade, de loucuras, de ardores. 
Explosão de feitos, de direitos, de trejeitos, 
de olhares, de piscares, de mensagens.
 Explosão de imagens.

Tita 18/05/1977