terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Red


Pintava as unhas de vermelho. Talvez porque achasse bonito ver as unhas vermelhas nas outras mulheres.
Um ele dissera que não gostava. Na verdade parecia que os eles não gostavam. Aliás, do que será que os eles realmente gostavam nelas? Nela?
Por isto era para ela mesma que pintava as unhas de vermelho. Cada vez um vermelho mais escuro e mais forte. Mais fixo, indelével, inesbotável, intirável, indesmanchável, indestrutível.
Nada melhor do que mudar palavras. E nada melhor do que pintar as unhas de vermelho.
Quando as despintava tornava-se uma des-ela porque ela sim, era aquela das unhas pintadas.
E, uma des-ela desmanchada, descorada e desarrumada era o que nunca nunca queria ser.
Tita 14/2/2013

foto: Vitorio Benedetti: http://www.flickr.com/photos/vbenedetti/41421298/sizes/z/in/photostream/

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Incomunicável


Na incomunicabilidade em que vivia, chegava a pensar que emudecera.
Dissociava lembranças de palavras pronunciadas em outra época.
Talvez não soubesse mais como se expressar através dos sons...
Deve ser assim uma clausura, pensou. Estava em uma mesmo que fosse sem grades e sem portas.
Começara com um simples recolhimento - são fases, constatou. Logo volto ao burburinho das ruas.
Mas o emparedamento sem paredes continuava, o ostracismo silencioso tornava os pensamentos inaudíveis, o desterro do lá de fora era fato e parecia duradouro.
A fuga havia acontecido, mesmo que não tivesse corrido, ou se escondido, ou ido a lugar algum.
O exílio estava dentro de si mesmo e contra ele era difícil lutar. Sendo assim, calou-se e se deixou ficar.
Tita 17/02/2013

Tudo a ver
Ninguém pode ajudar o humano que deu errado quando o social está errado, e para resolver o de dentro seria necessário corrigir o de fora. E então quem somos nós, tão impotentes e arrogantes?
Caio F. em "A vida gritando nos cantos".

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Copos de leite

Entregou-me musicas, como se fossem um buquê de flores.
Eu, gostei mais do que se fossem flores. 
Aproveitei cada uma, dezenas de dias, dezenas de vezes, como jamais poderia aproveitar rosas.
Se tivesse me dado flores, quais me daria? Rosas? 
Se sim, eu esperaria que no mínimo não fossem vermelhas, 
tão lugar comum...
Amarelas ou brancas seria melhor.
Preferiria ganhar lírios, brancos e lindos. Ou copos de leite. 
Que delicia olhar copos de leite em um vaso. 
Porém, sempre corro o risco de ganhar rosas. Indamais vermelhas.
Que bom que me deu musicas. 
Os copos de leite eu mesma compro.
Coloco em um vaso, sento-me na minha cadeira preferida e, 
o buque de musicas tocando alto, 
viajo nas flores, copo por copo, tom por tom, som por som.

Tita- 13/02/2013


Imagem: André Luiz Capóia - http://farm4.staticflickr.com/3473/4002217102_36892ba464_z_d.jpg

Tudo a ver
Escrevo para que me escutem — quem? Um ouvido anônimo e amigo perdido na distância do tempo e das idades. Para que me escutem se morrer agora. E depois, é inútil procurar razões. Sou feito com estes braços, estas mãos, estes olhos e assim sendo, todo cheio de vozes que só sabem se exprimir através das vias brancas do papel, só consigo vislumbrar a minha realidade através da informe projeção deste mundo confuso que me habita. E também escrevo porque me sinto sozinho. Se tudo isto não basta para justificar porque escrevo, o que basta então para justificar alguma coisa na vida? Prefiro as minhas pequenas às grandes razões, pois estas últimas quase sempre apenas justificam mistificações insustentáveis frente a um exame mais detalhado".
Lucio Cardoso