sábado, 10 de novembro de 2012

Sal grosso


Um outro lugar, um novo trabalho, um desafio diferente, primeiro dia.

Que roupa? O que digo? Com quem falo? Levo alguma coisa para comer? A que horas será que almoçam? O que as pessoas vão achar de mim? A lua está minguando,começar na lua minguante...será que não é ruim? Ai ai ai mas se é assim que aconteceu, é assim que vai ser e vai dar certo, eu sei que vai dar certo.

Decido por uma calça jeans, coloco três barrinhas e uma pera na bolsa para não correr o risco de sentir fome. Se sinto fome eu tremo, fico com dor de cabeça, melhor prevenir. 

Ah, um pacotinho de sal grosso no soutien para tirar qualquer agouro. Passo ou não passo rímel? Passo bem pouco. 

O cristal o topázio azul, o coral, a rubelita, a pedra serpentina, o olho de tigre, todas as outras, tudo na correntinha no pescoço. Acho que está bom...está bom. Um pouquinho de perfume...assim.

Eu vou!

Frio na barriga, respiro fundo, Deus, Alá, Buda, Universo, santos e bons espíritos, protejam-me, em nome do Pai, tudo vai dar certo, sou forte tenho sorte, sou inteligente, eu vou longe, estou bonita, sou simpática, amém, amém, amém, chego com um frio na barriga mas lembro-me (ainda bem) de entrar com o pé direito.

Pronto!
E que seja o que está escrito.

Tita 05/11/2012

Tudo a ver
De repente o zen me disse
muito mais que a fé:
que eu visse aquilo que visse
pois só há mesmo o que é.

e colocou um p.s.:
vê, e depressa esquece
pois nada na vida, nada,
nada mesmo permanece.
Rita Moreira em "Zen" - Perscrutando o papaia.

foto: Galeria de Santinha - Casas possiveis: http://www.flickr.com/photos/yvone/

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Sombras de luz



foto: Miguel Saavedra

Quando você fecha os olhos, a luz faz sombras?
Quando eu fecho faz.
Quando, de olhos fechados, fixo meu olhar nas sombras - talvez formadas pela luz que bate em meus olhos fechados, vejo coisas: rostos que nunca vi, olhares que me olham, sorrisos, gestos...
Existe um mundo dentro de meus olhos fechados.
Às vezes penso que deveria mergulhar bem fundo, mante-los fechados e viver este outro mundo mas tenho medo e então pisco, apagando tudo.
Seria bem melhor se de olhos fechados, eu pudesse ver cenas conhecidas, aquelas tão boas de relembrar.
Como aquelas do passeio na praia, da caipirinha com o mar morno envolvendo o corpo, da viagem pela cidade de ruas pequenas com chão de pedras, da musica em uma noite de revellion, da noite no mezanino com telhado de vidro, do pavão no parque, dos passeios pelos museus e conventos na cidade alta, do vento no topo da montanha, do encontro em uma noite de muita chuva, do apartamento com borboletas na janela... 
Cenas misturando o já vivido em diferentes tempos, desenhando diferentes sentimentos, todos idos, todos fora do alcance dos meus olhos abertos e que não retornam a meus olhos fechados.
Mas o que eu dizia é que quando fecho meus olhos, a luz que bate fora deles faz com que, dentro deles, eu veja sombras. Dessas que aos poucos se definem. E então eu vejo coisas e, com medo, pisco para não vê-las  mais. Mesmo porque ninguém acreditaria se eu contasse. E, mesmo porque eu mesma só acreditaria se depois de piscar, continuasse a vê-las. Mas nunca voltam quando pisco.
Fico pensando se é só comigo que isto acontece. Acontece com você?
Quando você fecha os olhos, a luz faz sombras?
Quando eu fecho faz.

Tita 05/11/2012

Tudo a ver
"E no entanto nada mudou além do que é irreal"
Wallace Stevens

sábado, 3 de novembro de 2012

Chamas

foto: Marcus van Dijk

Sento-me na poltrona gostosa, tomo uma cerveja. A musica parou de tocar.
Cenas passando na minha cabeça, um filme. 
Parece tudo tão distante e, num repente, é como se nunca tivesse acontecido.  
Meu olhar fica perdido e ali estou, sem saber se estou no meu lugar. 
Então  me dou de presente tantos lugares e tantas coisas que já vivi e senti e foram tantas e já faz tanto tempo...
Fico a montar essa colcha de retalhos, sofrendo as vezes mas também sendo feliz e até sentindo, em alguns momentos, a plenitude.
Lembro-me de mim mesma dizendo que tenho medo da força com que sinto as coisas tão e tão completamente fortes, não aceitando sentir metades, uma vez que aceito vive-las mas não senti-las. 
E deixo que as metades que vivo se misturem com a metade de todos nós, que vivemos metades mas só queremos sentir o completo.
Porém,o outro lado do que penso, nem penso...

Tita
Vinhedo, 03/11/2012

Tudo a ver
"Veja tudo de vários ângulos e sinta, não sossegue nunca o olho, siga o exemplo do rio que está sempre indo, mesmo parado vai mudando"
Autran Dourado

domingo, 28 de outubro de 2012

Incolor


Nana Caymmi - Resposta ao Tempo

Conversando comigo mesma realizo: não tenho mais argumentos. 
Não conseguirei convencer-me do que deveria nem fazer-me dizer o que poderia.
Então vejo que o tempo passa pela janela enquanto minha vista se perde, fugindo de fixar-se no que seria essencial.
Não serei capaz de aprender, não encontrarei as respostas, não saberei fazer as perguntas.
Permanecerei no eterno par ou impar, bem me quer mal me quer do que imagino e do que realizo, do que crio mentalmente e do que faço, do belo que sonho e do incolor que reproduzo.

Tita 28/10/2012

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Grãos

aquarela - Tita

o apanhador dos grãos de areia;
sereia
o depósito dos sentimentos;
tormentos
a solidão sem linearidade;
criatividade
o perceber dos temores;
cores.

Tita - 25/10/2012

Tudo a ver
Nenhuma campainha vai tocar,
mas queria tanto que uma tocasse.
Tenho nenhum sonho para sonhar
que uma campainha acabasse.
Zédu em 25/07/2008
zedupoca.blogspot.com.br


Always

aquarela: Tita

domingo, 21 de outubro de 2012

Brisa

Não notou.
Nem mesmo quando o olhar, os gestos
e  o corpo dela tudo expressavam.
Não compreendeu,
porque não poderia compreender o que não havia percebido
e, não compreendendo o que nem havia percebido,
não entendeu o que ela procurou esclarecer.
Palavras não puderam expressar o que deveria ter sido salvo,
nem clarear o que deveria ter sido diferente.
Então nada restou daquela brisa leve e calma
que poderia ter soprado para sempre.


Tita 21/10/2012

foto: Christa Richert

Tudo a ver
Ergo as pernas, tranço os tornozelos em torno do fio, entrelaço as mãos e lá fico, uma eternidade, aterrorizada, morta de medo. Espero. Acalmo. E bicho-preguiça, muito lentamente, com muito esforço, muito tédio, começo a recuperar a força.
Tento me por de pé. Embora nunca acredite, sempre consigo.
E lá vou eu de novo, mais corajosa, mais firme, mas ainda não equilibrista, dar um novo show de falta de treino nessa vida.
Cláudia Lopes em "Breve Loucura"

sábado, 20 de outubro de 2012

Metade


Metades são fatias
que não se equilibram,
não se encontram,
não se mesclam,
não se acham,
nem se bastam.

Tita 20/10/2012

Tudo a ver
"Que o medo da solidão se afaste, 
e que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável.
Que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso
que eu me lembro ter dado na infância.
Por que metade de mim é a lembrança do que fui
A outra metade eu não sei."
Oswaldo Montenegro em "Metade"


terça-feira, 16 de outubro de 2012

Aquele

Saudade daquele
Que por ser ele
Fazia que eu
Fosse só dele.


Tita 16/10/2012

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Imagens perdidas


As imagens de 2010, 2011 e 2012 foram perdidas.
Fui tomada de uma tristeza profunda, um vazio, fiquei como que despida de mim mesma, quase nua. Mais ainda ao descobrir que a culpa foi minha, deletando o que não deveria. 
Ao mesmo tempo, as imagens de 2008 e 2009 foram salvas o que me faz ainda acreditar que sou uma pessoa de sorte porque 2009 foi um ano de grande importância para mim.
Vou pacientemente recuperar cada imagem perdida ou até rever e colocar novas.
Assim retomo estes últimos anos, passo a limpo, repenso, repagino, modifico, embelezo o blog novamente, melhoro seu conteúdo e, quem sabe, o meu próprio?
Tita 10/10/2012


Tudo a ver
"...porque havia todo um processo de despir-se de conceitos anteriores, de barreiras e resistências, para poder compreender. Isso levava horas. Levava horas o despir-se"
Caio Fernando Abreu em "Caio 3D"

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Em cantos



Vinhos combinam com queijo
e com conversa gostosa,
com odores, gostos, sabores,
e com dedos de prosa;
Rimam com cerejas e uvas,
com noites quentes, sem chuvas;
E então com risos e cantos
e com dos olhares...
encantos.
Tita 22/08/2012

Tudo a ver
"Mas seria isso "felicidade"? Não. A palavra tão grande não parecia encaixar-se, não parecia referir-se àquele estado de ser que espiralava em lâminas rosadas em torno de uma luz refulgente"
V. Woolf em contos completos - "Felicidade"

imagem: HybridSys
http://www.sxc.hu/photo/1337577

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Parentando


Lembrava-me dos meus priminhos ainda pequenos em uma reunião de família; Ela já estava lá com a mãe e o irmão chegou com o pai. Então eles, tão pequenininhos, abraçaram-se com muito carinho, beijaram-se e riram da felicidade de se encontrar. Na ocasião pensei: quando tiver filhos, quero que se abracem assim. 
Por causa desta cena que ficou sempre comigo, ensinei meus filhos a se abraçarem e a terem carinho um com o outro.
Hoje encontrei-me com meus priminhos depois de muitos anos. Agora adultos mas ainda o mesmo carinho, a mesma cumplicidade.
Que coisa boa de se ver!
Hoje é como termos a mesma idade (ou é assim que eu gosto de imaginar). Pensando em como foi bom encontrá-los me vem a ideia de como é bom parentar!a

Parentar é sentir-se em casa;
É como tirar os sapatos e cruzar as pernas no sofá;
É ver um pouco de nós nas outras faces e gestos.
É lembrar dos que se foram naqueles que estão cá.a
Parentar é como estar em silencio e mesmo sem palavras comungar lembranças;
É contar casos e histórias que se juntam às nossas, formando uma só.
É contar os detalhes e alegrar-se rindo feito crianças.
Parentar é compartilhar saudades;
É contar os caminhos, fofocar as verdades;
E é ainda, do fundo do coração,
querer o bem e desejar felicidades.

Ao nos despedirmos decidimos fazer festas, promover encontros, juntar pessoas. De minha parte pretendo manter as promessas mas, acima de tudo, decido nunca mais ficar tanto tempo a des-parentar.

Tita - 16/08/2012


segunda-feira, 13 de agosto de 2012

O vestido florido

Foto: Orley Antonaglia
Ao partir deixou o chapéu. Já não precisava mais dele pois, para aonde ia, não haveria sol.
Além disto, o chapéu sempre lhe lembraria os dias ensolarados em que o suor respingava felicidade e o calor enlevava os pensamentos. Por isto o deixara, no lugar a que pertencia.
Que dias aqueles...cheios de mergulhos: na água funda, nos pensamentos fartos, na explosão de sensações, no divagar das conversas infindas.
Lembrava-se de si, aquela que nunca mais seria, o vestido florido, o olhar afogueado, o coração disparado, o chapéu na cabeça, correndo ao sol.
"Segure, o chapéu vai voar!" Então risos e mergulhos, e risos e mergulhos, na profundeza do momento impar.
Fizera bem em deixá-lo.
"Eu me lembrarei sempre de você, com este sorriso e este chapéu na cabeça"
Ao desarrumar a mala, na volta da viagem, abraçou o vestido. E o cheirou, ainda ali todo o perfume.
"Eu me lembrarei sempre do toque deste vestido e do seu perfume"
Era àquela cena que o vestido pertencia e era ali que, assim como o chapéu, deveria ter ficado. Não deveria te-lo trazido.
Com uma tesoura, picou o vestido em mil pedacinhos. Sorriso nos lábios. 
Cenas perfeitas não devem nunca ser mudadas de lugar.

Tita - 13/08/2012

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Silente

Ninguém saberia que ouvia sem escutar as falas curtas, 
entrecortadas e sem entonação;
nem que dentro de si fremia aquela ânsia,
a necessidade premente, 
que não encontrava brecha para transbordar.
Ninguém diria que continha seus desejos
tresloucados e apaixonados que,
comprimindo seu peito,
espalhavam-se pelo corpo difundindo um tremor incontrolável.
Ninguém poderia escutar sua própria voz a sussurrar: 
a hora se foi, perdida em algum momento no meio
do caminho em que não havia bussola,
e não mais se encontrará;
perdida em lugar sem volta, destruída com o passar dos dias;
resta apenas a palidez do rubor esquecido, o olhar entristecido, 
o sonho inalcançado.
Tita, agosto 2012

Tudo a ver
"Um dia um homem se levanta e muda de um lugar para outro. O que ele deixa atrás de si fica para trás e só lhe vê as costas"
Amós Oz em "Uma certa Paz"

Haikai X

外観上の反射

Mar vem na areia
Sol bate na espuma
Reflexo no olhar

Manchado de branco
O céu faz desenhos
Que vejo no sol

Tita - julho, 2012

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Versinho inho inho

Parece uma foca
Esta pombinha
Que vem passo a passo
Falando sozinha

Pia um resmungo
E cisca na areia
Pescoço balançando,
Lá se vai saltando

Para num repente
A asa a coçar
Pombinha preta
Não sabe cantar

Pena arrepiada,
No sol se esquenta
Eu jogo um milho
Chegam cincoenta.

Tita - julho 2012

domingo, 22 de julho de 2012

Guarida

Falamos a mesma língua
nos olhos, na alma
e nos sentimentos.
Nossos gestos se parecem,
nossos movimentos se misturam,
nossos corpos se  conversam.
Quando refletimos
andamos no mesmo ritmo,
elaborando futuro igual.
Com ele emudeço na paz do  bom emudecer.
Na quietude, compositores de uma única melodia,
arquitetamos os mesmos sons.
Entrego-me ao seu abraço 
em doce abandono,
porque é ali minha morada,
meu alegre refugio,
minha guarida segura,
minha lascívia,
meu aconchego
e minha finalmente paz.

Tita 22/07/2012


segunda-feira, 16 de julho de 2012

Tremeliques


De onde vem não se sabe,
a aflição, o aperto, o sufoco.
Não se sabe o ardor no peito, 
o suor no frio da noite.
O medo do alto, o passo atado, 
o terror do escuro, o silencio abafado.
Não se sabe o fim da procura incomensurável
o oco inenchível, o aquecer impossível,
o riso calado, o prazer inalcançado.

Tita - 16/07/2012

Tudo a ver
"...ergueu as mãos grandes e frias, como se as quisesse pegar, e logo as deixou cair. Foi até a lareira, em cujo console estava seu Buda preferido...Ele sabia de algo; ele tinha um segredo: "sei uma coisa que você não sabe", disse seu Buda. Oh, o que era, o que poderia ser? E ainda assim ela sempre sentiu que havia...alguma coisa havia."
Katherine Mansfield em "As filhas do falecido coronel"


sábado, 14 de julho de 2012

Lentes cor de rosa


Há um momento em que o desenho se define;
em que a realidade se mostra nítida, 
sem borrões ou nuances.
Momento da constatação; 
da retirada das lentes cor de rosa 
que procuram a todo o custo, 
enxergar o que não se mostra.
Momento duro e estático, 
em que o quadro se torna claro e sem sombras.
Mas então a resistência em colocar a moldura, 
achar o melhor lugar na parede e congelar a realidade...
Procuramos em vão melhorar as cores 
e esfumaçar as quinas da pintura mesmo sabendo 
que em nossa aflição, a arruinaremos,
e o quadro não se salvará.


Tita 14/07/2012

Tudo a ver
"Exercitam o desprezível nos escombros da jangada 
que gira e gira em torno de si mesma, 
sempre no mesmo ponto inútil, 
em direção a coisa alguma, 
enquanto o tempo passa e tudo vira nada."
Caio Fernando Abreu em "Pequenas Epifanias"

foto: Erica Becker -  http://www.flickr.com/photos/ericabecker/4643786216/sizes/m/in/photostream/

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Só azul


Trazia sentimentos em uma bandeja etérea
oferecendo-os com um sorriso, um a um.
Amoldavam-se aos poucos ao meu corpo,
faziam-me sentir!
E viver em profusão.
Trazia palavras em um abraço forte
oferecendo-as com calma, uma a uma.
Amoldavam-se aos poucos à minha alma,
faziam-me pensar!
E viver em profusão.
Trazia risos em uma linda gargalhada
oferecendo-os com euforia, muitos em um.
Amoldavam-se aos poucos vibrando meu ser,
faziam-me rir!
E viver em profusão.
Trazia flores, e sonhos e muitas cores
que uniram-se resolutas, todas em uma. 
Amolda-se longínqua ao azul do céu,
faz-me lembrar!
E viver em solidão.

Tita 11/07/2012

imagem: Ivan Piven
http://www.sxc.hu/photo/1390438

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Tecer


Cinza claro, grafite, branco, vermelho e coral
Em cores vou tecendo a vida
Pois que só vale a pena,
Se colorida.
Tita - 06/07/2012

Tudo a ver
"Quando recupero a razão, enlouqueço"
Julio Ramón em seus "Diários"

terça-feira, 3 de julho de 2012

BAEPI


Foram tantas as coisas que perdi!
Voltasse no tempo faria diferente?
Seria aquela que faz parte do grupo tão feliz 
que aquelas fotos mostram?
Viveria vida diferente?
Tantos acontecimentos que não vivi!
Alguém então viveria a vida que foi minha 
e tornar-se-ia esta
que hoje sente a nostalgia do que não foi, 
a saudade do que não fez?
E tivesse sido eu outra teria, vivendo o que vivi, 
sentido o que senti?
Terei eu, vivendo a vida que vivi, 
ganho mais do que perdi?

Tita - 03/07/12

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Ocultos


Um não se mostra inteiro,
Outro não se deixa ver.
E como em busca de agulhas no palheiro,
Procuram a razão de ser.

Tita 02/07/2012

Tudo a ver
Vamo brincá de ninho? E de poesia de amor?
nave
ave
moinho
e tudo mais serei
para que seja leve
meu passo
em vosso caminho.
Hilda Hilst em "Cascos & Caricias e Outras Crônicas"

Imagem: Esconderijo - Marianoff

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Frenético

imagem: Fuka - http://www.fuka.com.br

Tinha sensações fortemente tremulas.
Chegavam desavisadas transformando-se, num repente, em  ciclones, tufões internos, ondas gigantescas. Tão fortes como o sentir dos pelos que, eriçados, encostavam-se uns aos outros, espalhando  a sensação pelo corpo todo.

Era então que  vinha a urgência, a premência, a necessidade de colocar fora de si o que ia pelo corpo.
A mente transportava  os sentimentos dando ordens às mãos que, em um balé frenético, espalhavam uma explosão de cores.
h
Tita 25/06/2012
j

Tudo a ver
"Não me deixem tranquilo
não me guardem sossego
eu quero a ânsia da onda
o eterno rebentar da espuma
Mia Couto em"Raiz de Orvalho"

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Plus


Dançar no ritmo da musica, braços soltos, 
rodopiando livre e sem preocupações.
Abandonar o corpo, a fala, o riso, 
ao sabor do que for.
Sentir a batida dos compassos e a alegria ao redor.
Cantar sabendo-se feliz por desfrutar tais momentos
da sintonia do todo, 
das amizades que alegram, 
dos olhares que enlevam,
e dos pensamentos que, 
ao infinito,
me levam.

Tita - 18/06/2012
foto Martin S - Bigfatten

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Ai que linda namorada você poderia ser...

Era uma adolescente irriquieta, curiosa, alegre. 
Quando o conheceu apaixonou-se imediatamente. O jeito dele, o modo de falar, a atenção que lhe dava, o fato de ser mais velho. A partir daí sonhava com ele, pensava nele, imaginava-se com ele.
Ele? Fazia charme, aproximava-se e se afastava, queria e não queria. Um dia dançaram de rosto colado, em outro deu-lhe uma musica de presente, mas nada além disto.
Ela sofria, criança apaixonada. O coração disparava a cada vez que o via; cada atenção que recebia dele parecia uma declaração de amor; um carinho despretensioso podia deixá-la em enlevo por várias semanas. Sonhava, sonhava, sonhava: um dia ele iria perceber o quanto seria feliz com ela, iria beijá-la e abraçá-la, seriam felizes para sempre.
Naquela noite, irmãs e amigos a levaram para uma "boate", a primeira vez que saia para uma "noite" de adultos . Pensou que iria encontrá-lo mas ele não estava lá. 
Ela, que havia se arrumado toda para ele, entristeceu. Perguntando, soube que ele tinha ido dançar uma valsa de formatura com a antiga namorada.
O ciume tomou conta, tremia, queria chorar e não podia, estava detestando a noite, tomada pelo terror que lhe causava saber que ele estava dançando com outra, aquela que ele provavelmente queria e amava.
Ficou quieta, olhando os outros que se divertiam, o estomago contraído, o coração apertado, o soluço querendo escapar. 
Então, bem mais tarde, ele chegou. 
As lágrimas pularam, disfarçou.
Ele veio alegre, ela fingiu que não viu. 
Chamou para dançar, ela disse que estava cansada.
Puxou assunto, ela ficou calada, roendo-se de ciume, incapaz de dizer qualquer coisa.
Na hora de ir embora foram no mesmo carro, os dois sentados no banco de trás, outro casal na frente, o radio ligado.
Foi então que a musica começou a tocar: "se você quer ser minha namorada, ai que linda namorada...".
Ele segurou seu rosto, olhou firme nos olhos dela e disse: escute a musica, é isso que eu quero.
Ela, enciumada, irritada, nervosa, falou: mas eu não quero.
Ele, sem graça, pediu para pararem o carro e desceu. 
Chance perdida para sempre.
Ele casou-se, com alguém outro. Ela chorou.
Após alguns anos separou-se. Então, reencontrou a antiga namorada, aquela  com quem dançou no dia do ciume... 
Casaram-se e estão juntos até hoje.
Ela, casou-se, teve filhos, separou-se mas, de vez em quando, ainda se lembra.

Tita 13/06/2012



sábado, 9 de junho de 2012

A outra



Uma parte de si agia
e outra só assistia.
Assim, a que vivia
era aquela que agia.
Mas, enquanto só vivia,
não pensava nem sabia
que aquela que assistia,
emocionada, percebia
ser aquela que sentia.

Tita - Vinhedo, 9-06-2012
foto - Tita  - sentimentos

imagem: José Carlos Rocha Carvalho

terça-feira, 5 de junho de 2012

Tipo assim?

Tipo assim: dividimos as tarefas, eu faço uma parte, você faz outra.
Dividimos as despesas também. Fifty fifty?
Quando se trata do cuidado com os cães e o gato, cozinhar e lavar a louça, tirar o lixo e tudo o mais, um  pouco você e um pouco eu.
Faxineira duas vezes por semana, limpa a casa e em um dia passa a sua roupa, no outro a minha.
Detesto arrumar a cama...Podemos arrumar juntos?
Precisamos nos divertir, e muito. Acho ótimo jantar fora, ir ao cinema, adoro barzinho com musica, original gelada, muita praia, dançar seja lá aonde for. Tudo bem, vamos também para as montanhas, acompanho você (timidamente) no vinho, jantamos em casa comida caseira. Vamos ler muitos livros e trocar idéias sobre eles.
Um pouco você e um pouco eu.
Seria ótimo se você me surpreendesse vez por outra: convide-me para um restaurante que não conheço, programe uma viagem gostosa, compre as entradas para um show de musica muito boa, apareça com uma roupa nova, conte-me uma novidade, faça-me rir muito, combine um programa com seus amigos.
Posso acompanhá-lo nas caminhadas, trocar idéias sobre seus interesses, visitar exposições de arte, contar histórias com detalhes como você gosta, faze-lo rir, convidar pessoas para comer em casa, ficar linda para um jantar surpresa à luz de velas
Um pouco você e um pouco eu.
No amor quero ousar e ser surpreendida com ousadias, dar e receber, endoidar e ser endoidecida.
Um pouco você e um pouco eu.
O que você acha?
Pode ser tipo assim?


Tita  05/06/2012



domingo, 3 de junho de 2012

Monstros

Havia um corpo estranho dentro dele. 
Podia senti-lo movendo-se pelos caminhos do sangue e depois instalando-se, misteriosamente, hora em um órgão, hora em outro.
Tinha medo de que algum dia se instalasse no coração e que seu peso fizesse o coração parar de bater. Algumas vezes conseguia esquecer-se dele e então podia andar leve pelo mundo, sentindo-se igual aos outros.
Quando ainda jovem costumava perguntar aos amigos se sentiam o mesmo mas logo achara melhor calar-se porque não encontrara ninguém que, como ele, carregasse dentro de si algo que não era seu. Se falavam no assunto, dizia que nunca mais sentira nada, que provavelmente fora sua mente adolescente e criativa que o fizera sentir coisas bizarras.
Porém aquele corpo continuara ali, dentro de si, desde o mais remoto que conseguia lembrar-se.
Naquela noite, acordou sobressaltado, escutando uma voz que o chamava. "Quem é? (gritou) Quem é?"
Então a coisa se mexeu (dentro dos rins desta vez) e a voz veio de dentro, como um jorro incontrolável. "Eu, aqui!"
Pulou da cama socorro, "sai dai, quem é você?"
"Eu sou o corpo dentro do seu corpo. Aquele que você deveria ter sido e não foi. Chegou a hora."
Apavorou-se."Como? O que vai fazer?"
"Vou comer você, aos poucos. Não se preocupe, será indolor. Comendo seus pedaços internos, poderei finalmente ser eu."
Chamou a mulher e a filha,  tremendo de medo, contou, pediu ajuda. As duas entreolharam-se e disseram "você precisa descansar".
Mais uma vez constatou que ninguém acreditaria nele, ninguém o entenderia.
"Sim, descansar."
Deitou-se e fechou os olhos. A coisa andando dentro dele, movimentando-se como nunca. Encolheu-se, ficou imóvel e, com horror, sentiu-se esvair, aos poucos, aquela coisa movendo-se com uma rapidez que nunca tivera. 
Adormeceu.
Quando acordou não sabia aonde estava. Levantou-se e ao olhar para a cama levou um susto. Havia um corpo ali, sem vida, encolhido sobre os lençóis.
Uma mulher chamou "venha tomar café!"
Disse "já vou''. E, imóvel, riu, vencedor, enquanto via aquele corpo sobre a cama sumir, virar neblina e sair pela janela.

Tita 03/06/2012

Tudo a ver
" Mas você perdeu lances fundamentais da minha vida. Do jeito que anda relapsa, quando você compilar minhas memórias vai ficar tudo desalinhavado, sem pé nem cabeça. Vai parecer coisa de maluco..."
Chico Buarque em "Leite Derramado"